quinta-feira, 29 de novembro de 2018

A MAIS ALTA TRAIÇÃO



Causa-me grande dor concluir que aquele país da minha infância não existe.
Nunca existiu.
Com sete anos o Brasil era para mim o melhor país do mundo.
As coisas que eu aprendia na escola.
As riquezas imensas das terras brasileiras.
Meu país era pujante e garantia o meu futuro.
Com sete anos eu confiava no Brasil que eu conhecia.
Aos nove anos descobri que todas aquelas grandes empresas que faziam a riqueza do Brasil, não eram brasileiras e não produziam riquezas para o Brasil e sim para os seus países de origem.
Eram as multinacionais.
Que decepção.
Em 1964, um pouco antes de completar 10 anos, eu vi Porto Alegre sitiada.
Sacos de areia faziam altas barricadas.
Os militares estavam espalhados por todo centro da cidade.
Armados. Fuzis. Metralhadoras.
Tanques estacionados nas ruas do centro.
Meu pai me disse que estava instaurada uma ditadura militar.
Como assim?
Meu país era uma ditadura?
Mas, eu aprendi na escola que o pior regime do mundo eram as ditaduras.
Com 12 anos a ditadura continuava e eu descobri a escravidão.
Li O Navio Negreiro de Castro Alves.
O professor de história do brasil falou na aula sobre o regime escravagista.
A crueldade. A matança. A maneira como os negros eram tratados.
Absolutamente, isso não era o meu Brasil idealizado quando era pequeno.
Parece que percebi na nossa origem a vergonha de ter escravizado pessoas. De tirar a liberdade de seres humanos em nome da manutenção das riquezas e posses de uma elite branca e, na maior parte, naquela época, estrangeira.
Com 14 anos (1968) vi o movimento hippie nascer.
A promessa de paz e amor no planeta.
A Era de Aquarius se aproximava.
Esperança de um mundo melhor. Mais amoroso.
E aqui no Brasil a ditadura apertava os grilhões.
Notícias de tortura.
Pessoas eram presas.
Jovens, professores, ativistas, deputados, jornalistas, artistas, eram presos e mortos e exilados e torturados.
Quem era contra a ditadura era subversivo.
E veio a censura.
E veio o Ato Institucional número 5.
A ditadura calou o país.
A ditadura era uma merda.
Aos 18 anos desisti do meu Brasil.
Não tinha nada a ver com aquele país que eu vislumbrara na infância.
Que enorme decepção outra vez.
A ditadura durou até 1986. Eu estava com 32 anos.
Que loucura.
Dos 10 aos 32 anos vivi num Brasil governado por uma ditadura militar que torturava pessoas, que matava, que censurava, que aniquilava com o pensamento contrário.
Que acabava com as reservas do país em troca de uma dívida externa fantástica.
E dava pena ver o meu Brasil tão rico com um povo tão empobrecido.
Sofrido.
Eu e aquelas pessoas que eu via éramos o povo Brasileiro.
Os trabalhadores. Aqueles que unidos jamais serão vencidos.
A ditadura acabou com muitos dos meus sonhos e de muitos outros brasileiros.
Ame-o ou deixe-o.
Noventa milhões em ação.
Eu não acreditava naquilo.
Tive que engolir o Fundo Monetário Internacional.
Eu enxergava um povo massacrado. Uma grande maioria mantida na miséria, na pobreza e na ignorância.
Tinha vontade de deixar aquele país que me traia a imaginação.
E  aí veio a abertura política lenta gradual e segura.
Finalmente a ditadura acabou.
E tivemos que engolir aquela anistia que perdoava os torturadores.
Mas vibramos com cada avanço da democracia.
Engolimos o Delfim Neto, engolimos o Simonsen, engolimos o Sarney.
Mas nos alegrávamos com cada vento que soprava na direção da liberdade de expressão.
E veio a constituição de 1988 que é liberal, democrática e nacionalista.
E veio a CUT.
E veio o PT.
O partido dos trabalhadores.
Veio o Lula.
Perdemos uma.
Perdemos a segunda e tivemos que engolir o Collor.
E foi eleito o Presidente Lula.
O Brasil mudou.
Parecia que agora o país entrava no prumo.
Dirigia-se para um rumo que apontava para aquele país rico da minha infância.
Com o Presidente Lula senti, pela segunda vez, sentir orgulho do  meu país.
Pude sentir orgulho do meu Brasil.
Tive que engolir um vice-presidente vindo do PMDB e que era um notório ladrão já naquela época.
Mas, via meu Brasil crescendo. Via o meu povo saindo da miséria.
Sentia os avanços na área da Cultura.
Sentia no meu próprio bolso de artista o crescimento da economia brasileira.
Encontrei aquele país que eu delineara com a minha mente infantil.
O plano era ótimo: 8 anos de Lula, 8 anos de Dilma, 8 anos de Lula outra vez.
Só que não.
Deram o golpe na Dilma.
Arrebentaram com o PT.
Disseminaram o ódio na população.
Pegaram a bandeira brasileira pra eles.
Botaram o Lula na cadeia impedindo que ele concorresse e ganhasse a eleição.
Elegeram uma besta para presidente. O Coiso. O Capitão Bostonaro.
Um iletrado entreguista que idolatra um torturador.
Pior ainda, foram as urnas e votaram pela volta dos militares à política.
Paira no ar a reedição da ditadura.
O volta do "movimento" de 64 como disse o banana do Toffoli.
Que ele pensa que está enganando?
Absurdo.
Que país é esse?
Definitivamente, este não é o meu país.
Que vergonha.
Que dor.
Que decepção.
Sinto-me traído.
Me fizeram acreditar num país que não existe.
Me fizeram acreditar numa justiça que não existe.
Me fizeram acreditar em oportunidades que não existem.