terça-feira, 21 de outubro de 2008

MEMÓRIAS MEDÍOCRES 6 - FIAT CHICLETES



A vidinha nem sempre foi boa pra mim, mas mesmo assim me acho um sujeito de sorte. Não daquela sorte de nascer num berço de ouro, ou ter uma bela herança esperando por mim no fim do arco-íris, mas uma sorte pequena, necessária para que se tenha um bocado de felicidade e certas facilidades. Uma vez apenas a minha sorte manifestou-se como uma sorte de ganhar prêmios. Via de regra eu podia (e posso até hoje) entrar em qualquer concurso, apostar em qualquer jogo ou loteria, comprar qualquer rifa, que não ganharia de jeito nenhum. Mas ganhei um carro. Ganhei um Fiat 147 zerinho, no tempo que o Fiat 147 era o lançamento mais importante e moderno da Fiat. Quando me deram a notícia por telegrama não acreditei. Gastei o telegrama de tanto desdobrar para ler e dobrar novamente, incrédulo sempre, para guardar no bolso e logo abrir novamente para reler mais uma vez e adivinhar se era mesmo verdade.
Foi num daqueles concursos em que a gente escreve uma frase criativa sobre um produto, no caso Chicletes Adams, e a melhor frase ganha um prêmio, no caso o carro. Não era um carro qualquer, quer dizer, o que dava uma originalidade no carro era a pintura. O carro foi pintado como se fosse uma caixinha de chicletes e como o formato do veículo se prestava parecia mesmo que eu dirigia uma caixinha de chicletes. Era uma pintura bacana. Tão bacana que o pessoal da polícia se invocou e na hora de fazer a transferência e passar o carrinho para o meu nome, os babacas disseram que com aquela pintura não dava pra transferir porque era proibido e de acordo com a lei tal, número tal, do livro tal, não era possível. Eu tinha que pintar o carro de branco. Vendi o carro e comprei uma Brasília semi nova. Mas ganhei o carro com uma frase que era assim: Em caso de alta tensão, abra a caixinha e desligue-se. Não sei se era realmente boa, nem se foi realmente escolhida, talvez tenha sido sorteada, mas, de uma ou de outra forma, o carro foi meu.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

MEMÓRIAS MEDÍOCRES 5 - MEU PAI


Meu pai. Só de escrever assim já dá um peso. Para mim, é sempre difícil evocar a sua figura. Sempre fica um misto de amor e ódio. Tantas coisas que eu nunca soube sobre ele. Segredos. Lembro que um dia ele ficou doente. Teve uma isquemia cerebral, um troço neurológico que o deixou com o lado esquerdo do corpo semi paralisado. Eu era pouco mais do que uma criança, devia ter nove ou dez anos. Na verdade não me lembro direito quantos anos eu tinha. Talvez fosse doze. Ele parou de trabalhar. Minha mãe encarou dois empregos pra segurar a barra financeira da família e acho que também pra fugir um pouco daquela casa. O trabalho absurdo que ela encarou também lhe oferecia em troca, além de um dinheirinho curto, algumas amizades, alguma alegria distante de casa. assim, sobrou direto pra mim muitas novas obrigações tais como cozinhar, lavar a louça, a roupa, a casa, ou seja, auxiliar no trabalho até “mais do que se eu tivesse nascido uma menina” como sempre dizia minha mãe cada vez que lhe davam oportunidade de dizer isso. E meu pai chorava. Chorava por tudo. Diante da televisão assistindo programas os mais idiotas, novelas, filmes e chorando. Parece que a doença lhe abriu o chorador. Era completamente estranho ver meu pai chorando. Era completamente o contrário da imagem que ele construiu na sua vida inteira. Ele era forte, agressivo, autoritário, violento e cruel. E de repente meu pai chorava. Às vezes eu chegava em casa por volta da meia-noite vindo da escola (passei a estudar à noite naquela época) e antes de bater ou abrir a porta, ficava espiando-o por uma fresta: ele chorava muito. Seu corpo tremia com os soluços. As lágrimas lhe escorriam pelo rosto. Ele ficava lá sentado na poltrona, com um cigarro entre os dedos chorando. Ele acendia um cigarro no outro e fumava e assistia televisão e chorava. Eu quase amava o meu pai quando espiava ele pela fresta da porta. Então eu batia na porta e ele secava os olhos e vinha abrir a porta arrastando sua perna esquerda que nunca mais voltou ao normal. Seu rosto também havia modificado bastante. Continuava gordo e vermelho com as entradas profundas na cabeleira precocemente branca, mas agora havia uma leve deformação do lado esquerdo e um olho mais caído do que antes, isso lhe modificava a expressão. Eu achei o máximo quando isso aconteceu. Adorei aquela inversão de poderes. Aquela doença caiu do céu. Acabou com aquele ditador que queria determinar toda a minha vida. Caiu o governo. Agora eu podia me soltar, governar a minha vida como nunca havia conseguido. Entrava e saia de casa a hora que queria. E quando ele tentava dizer-me alguma coisa e enquanto ficava la babando e gaguejando eu simplesmente mandava ele calar a boca. Ele espumava de raiva, tremia, babava mais, mas não tinha mais a força necessária para me bater como sempre fez. Não tinha mais energia suficiente para me controlar. Seu poder havia acabado. Eu reinava agora. Infelizmente, com o mesmo desamor, com a mesma raiva e o mesmo rancor que eu havia aprendido com ele.
Somente muitos anos depois de sua morte, mais de dez anos com certeza, é que senti realmente a falta que ele me fizera durante toda a minha adolescência. A falta que eu sentia de ter um pai para me abraçar e dizer alguma coisa. Embora, seja quase certo, que as coisas que ele me diria seriam merdas e não sei se ele teria abraços pra me dar. Mas sinto falta dele até hoje. Talvez agora a gente pudesse se abraçar, chorar juntos e dizer que um amava o outro. Meu pai.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

MEMÓRIAS MEDÍOCRES 4 - O CASAMENTO

Nunca pensei em começar estas memórias pela infância ou em obedecer a ordem cronológica dos acontecimentos (ou falta de), mas quando vejo a primeira coisa que contei foi sobre minha infância. Poderia ter começado pelo menos pela adolescência, ou pelo dia que fiz minha primeira peça de teatro, ou pelo dia do meu casamento. É verdade: eu casei. No civil e no religioso. Eu era todo metido a contra-cultura e coisa e tal, mas na hora agá a família nem precisou apertar muito pra eu aceitar o casamento. Até que foi bacana. A gente falava que ia se casar para contentar a família, mas isso era mentira. A gente casou porque foi criado desde sempre com uma moral babaca, cristã, que incluía o casamento como uma regra de vida, uma meta a ser cumprida. Casei na igreja Santo Antônio, no topo do morro do Partenon. Um casamento bem bonito, com uma noiva bem bonita e com muitos convidados bonitos. Meu pai, afetado por uma doença cruel e degenerativa compareceu e chorou. Ele chorava muito nessa época. Uma hora dessas vou dedicar uma destas horas pra escrever sobre meu pai. Depois da cerimônia na igreja Santo Antônio houve uma grande pequena festa na casa dos pais da noiva, na qual o pai da noiva, alcoólatra inveterado, encheu a cara de cerveja e, como era de costume, deu vexame total diante dos convidados constrangidos e falsamente compreensivos. Um desfecho desagradável para uma festa íntima que despachava o casal sorridente e apaixonado para uma vida em comum, que poucas chances tinham de dar certo, já que quem casa quer casa e este casal não tinha nem emprego que dirá uma casa para morar. Fomos morar na casa da minha mãe que era também chamada de minha casa.
Hoje, com a distância do tempo passado e um pouco mais maduro, penso porque o pai da noiva que era tão rígido na sua moral permitiu aquele casamento apenas baseado amor entre dois jovens absolutamente imaturos e completamente sem estrutura para casarem-se? Porque ele era um hipócrita, filho duma puta, que estava mais a fim de livrar-se da enteada. Na época, eu era estudante universitário, tinha vinte e um anos, era cheio de idéias sobre o futuro e tinha uma miserável bolsa de trabalho concedida pela universidade. Ela tinha vinte anos, era linda, estudante desempregada e sonhava em tornar-se modelo. Casamos.
Casei em outubro e meu pai morreu em dezembro sem ver a sua neta que nasceria em setembro do ano seguinte e foi concebida mais ou menos no mesmo período. Ciclo da vida? Enquanto ele fechava as contas e partia para a morada final, eu e minha jovem esposa (a quem eu amava perdidamente) nos dedicávamos a reproduzir e trazer à vida mais um ser.
Na foto, lá em cima, sou eu, no Motel Ipanema, em setembro de 1975, em plena lua de mel.

domingo, 21 de setembro de 2008

MEMÓRIAS MEDÍOCRES 3 - O HÁBITO DE LER

Eu sempre gostei de ler. Uma de minhas maiores alegrias e uma lembrança que guardo fortemente até hoje, foi o dia, o momento, o ano, sei lá, o tempo em que aprendi a ler. Antes disso a vida era uma coisa e depois transformou-se num vasto mundo a ser explorado. Antes disso eu tinha que pedir a minha mãe que lesse para mim. Não me lembro do meu pai lendo pra mim. Lembro-me dele jogando futebol de botão comigo, mas lendo não. A minha mãe lia, mas, é claro, só quando ela queria, tinha saco ou sobrava tempo no meio ou depois das tarefas caseiras. Naquele tempo minha mãe era “do lar”. Então, recordo que foi uma felicidade extraordinária quando comecei a juntar aquele monte de letrinhas e formar palavras e fiquei livre para ler o que eu quisesse. E lia de tudo mesmo. Desde as revistinhas em quadrinhos infantis, gibis, contos de fada, a revista Manchete, Fatos & Fotos, Realidade e as fotonovelas da minha mãe. Era muito bom poder ler. Até hoje leio bastante. Não tanto quanto gostaria, mas bastante. A leitura sempre me enviou para um espaço mágico onde era possível que a minha imaginação se expandisse e se elevasse às alturas. A leitura estimulava meus sonhos e minhas ações pela vida. Ler sempre foi e é maravilhoso. Há pouco tempo atrás, com mais ou menos quarenta e cinco anos, comecei a sentir dificuldade para ler. Não havia luz que fosse suficiente para que meus olhos conseguissem ler. Ler tornou-se um esforço. A dificuldade roubava o prazer da leitura. Então, uma alma amiga, chamada Elisa, mais ou menos da minha idade e conhecedora do problema, um certo dia, me ofereceu um par de óculos comprados num camelô e salvou a minha vida. Pude voltar a ler na quantidade e com o prazer de sempre. Ler é maravilhoso. Meus filhos não lêem. Não porque eu não tenha tentado estimula-los, mas não gostam. Não adquiriram o gosto pela leitura. Acho que a escola destrói nos adolescentes o prazer de ler. Não há prazer que resista aquelas leituras obrigatórias e as fichas de leitura exigidas pelos professores. É uma merda. É empobrecedor.
Só pra constar: quem está na foto sou eu, aos 21 anos, mais precisamente em fevereiro de 1975, no patamar da casa da minha tia Glacy, em Ibirubá/RS. Seu marido, a quem eu chamava de tio Adalberto, tinha insônia, lia muito e possuía uma considerável biblioteca da qual eu me aproveitava quando os visitava.

sábado, 20 de setembro de 2008

MEMÓRIAS MEDÍOCRES 2 - COMIDA DE POBRE

Outro dia fui num restaurante que servia comida típica gaúcha e havia lá uma gororoba que era uma fritada de ovos mexidos com lingüiça campeira picada e tudo revirado com farinha de mandioca. Isso me remeteu imediatamente para a mesa da minha infância, lá na minha casa de madeira envelhecida pelo tempo no Jardim Botânico. A casa era tão desbotada que era chamada de “casa Lee”. Foi um túnel do tempo. Enquanto me servia fui regredindo. Minha mãe com um dos seus vestidos estampados de senhora casada, dona de casa, quase sempre com uma cara de madalena arrependida e um ar de juvenista mariana, na lida diária pela cozinha e eu brincando no pátio quase sempre sozinho ou algumas vezes com algum amiguinho e logo o grito da minha mãe, de várias mães, chamando para o almoço. Depois de cumprir as obrigações do tipo lavar as mãos, acordar meu pai que roncava feito um porco como sempre até a hora do almoço, e sentar à mesa. E lá estava a tal fritada de ovos com lingüiça e farinha de mandioca.
Nossa! Como eu gostava daquela comida. Daquela e de muitas outras coisas que minha mãe fazia naquela época. Mas o que mais me divertia mesmo era de brincar com a comida. Eu dividia a porção contida no prato em quatro partes. Ficava então quatro pequenos triângulos, separados por uma trilha em cruz. Feito isso estas quatro partes transformavam-se, às vezes, em quatro países em guerra (era quando os gomos de bergamota ou de laranja serviam de navios de guerra e cercavam o prato com seus canhões apontados para o país do arroz com feijão), às vezes, em quatro povos que primeiro se reuniam e logo a seguir eram engolidos por um enorme e guloso monstro que os triturava sem complacência. Enfim, naquele tempo eu que eu não tinha tanta pressa, comer era sempre muito divertido.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

MEMÓRIAS MEDÍOCRES 1 - FREIRA DO DEMÔNIO

Dia desses decidi que iria escrever uma hora por dia. Ou pelo menos uma hora por semana. Sessenta minutos inteiros escrevendo tudo aquilo que me viesse a cabeça. Decidi também, que pra não correr o risco de ficar com cara de idiota na frente da folha em branco da tela do Word, vou escrever qualquer merda. Qualquer merda qualquer. Escrever livremente, sem censura, mesmo se tratando de qualquer merda ou de uma merda qualquer.
Aí pintou a brilhante idéia de escrever sobre mim mesmo, coisa que ninguém, é obvio, jamais, pensou nem, mais óbvio ainda, fará. Posso escrever minhas memórias. As lembranças vadias de um sujeito absolutamente comum e medíocre com lembranças incrivelmente medíocres e comuns. Para dar um sabor especial, um condimento apimentado, poderia inventar alguns fatos, mentir um pouco, o quê não seria novidade para mim e, tampouco, eu seria o primeiro a fazer isso.
Então, está decidido: serão memórias verídicas e fantasiosas. Cheias de pequenas e grandes mentiras misturadas com fatos acontecidos e lances vividos pela minha inigualável pessoa. Será, assim, uma autobiografia sem compromisso nenhum com a verdade e entremeada de fantasias, desejos não realizados e mentiras que não serão jamais reconhecidas e separadas das verdades contidas no texto, principalmente porque ninguém se daria ao trabalho de fazer isso.
Não resisto ao desejo e caio no lugar comum de afirmar que se é para escrever sobre qualquer merda, nada melhor do que escrever sobre mim mesmo. E isso acontece por vários motivos. Em primeiro lugar, porque ninguém como me conhece como eu me conheço, e só eu conheço todas as merdas que já fiz na minha vida. Depois, somente eu posso misturar as merdas verdades das mentiras merdas que irei inventar ao longo do texto. E, finalmente, porque inúmeras vezes eu realmente me acho um merda.
Ainda não fechou uma hora então vou continuar escrevendo.
Queria lembrar que estou escrevendo algumas outras trinta e sete coisas que são fragmentos, pedaços inícios de alguma coisa ou de nada, coisas de teatro, livros parados pela metade ou muito antes, porcarias em geral que geralmente começo e não termino, ou melhor, começo e nem começo. Só digo para lembrar que posso aproveitar esta uma hora também para escrever um pouco nestas outras coisas e não somente aqui neste meu blog.
Às vezes este espaço poderá funcionar também como um diário onde anotarei preciosos acontecimentos de meu agitado cotidiano.
Agora chega de papo e vamos as memórias. Aquele que, porventura, transformar-se em leitor acidental destas páginas, não deve ficar procurando o que é verdade e o que pode ser mentira. Leia e aceite os fatos como acontecidos porque você nunca poderá separar uma coisa da outra. Ou, se quiser detenha-se, procure, afinal de contas a verdade e a mentira são sempre o verso e reverso da mesma moeda, ou como dizia Mário Quintana: “a mentira é uma verdade que esqueceu-se de acontecer”. Buenas, vamos lá.
A foto que aparece lá em cima é da minha turma do quarto ano primário - quarta série do ensino fundamental - no Colégio Anchieta que naquela época tinha freiras e padres dando aula. Agora eu fico imaginando coisas feias aqui na minha cabeça. A freira que aparece na foto é a Irmã Maria da Graça. Acho que todas as freiras se chamam Maria alguma coisa. Pois esta santa pessoa, insígne professora, tinha o sádico hábito de torcer o mamilo dos alunos quando estes faziam alguma coisa que a desagradava. Como por exemplo, descer escadas saltando de três em três degraus, comer alguma coisa durante a aula, ou qualquer coisa que fosse coisa de crianças de nove ou dez anos que era a nossa idade na foto.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

O SONHO ACABOU


Como todo mundo ja deve estar sabendo acabou o Depósito de Teatro. Justamente no ano em que completaria dez anos de atuação e luta renhida pela sua permanência, encerrou suas atividades e fechou as portas da sua sede na Rua Câncio Gomes. Era impossível continuar. Eu mesmo ja me perguntei mais de mil vezes como isso pôde acontecer, como eu estou me sentindo a respeito e qual a extensão exata dos danos causados na minha pessoa e na minha sensibilidade. Foram 10 anos de árduo trabalho e dedicação intensa a uma causa que se mostrou no mínimo irrelevante. Nenhum veículo de comunicação se interessou pelo fato. Nem o Caco, blog do Renato Mendonça, que colocou duas linhas sobre o assunto alimentando a rede de boatos, foi capaz de nos perguntar o que aconteceu e quais os reflexos disso na cultura local. O Sated nem tomou conhecimento. Na classe passou em branco. Cada um voltado para suas criações, seus umbigos e egos e problemas. Não recebemos nenhuma adesão ou pedido de explicação. Nada se passou. Um grupo como o Depósito de Teatro se extingue e nada acontece. Acho isto, no mínimo, sintomático.
Sinto-me mais amassado do que nunca. Combalido, sem forças, perplexo, desanimado. Sobrevem uma sensação de ter desperdiçado dez anos da minha vida num projeto insano e absolutamente desnecessário. Parece que se fizéssemos uma greve do teatro em Porto Alegre, ninguém daria a menor importância. A quem interessa? Sejamos francos: a ninguém.
Várias pessoas poderiam ter usado sua influência, relação de amizade e proximidade com o poder para fazer vingar o projeto de instalar um centro multi-cultural no meio de um bairro decadente e abandonado. Luciano Alabarse, o todo-poderoso diretor do Porto Alegre em Cena; Sergius Gonzaga, titular da pasta municipal da Cultura que se interessa apenas pelo setor do livro; Caco Coelho, diretor da Usina do Gasometro, Cláudia d'Mutti, diretora do setor de artes cênicas da Funarte, a coordenadora regional do MinC, o homem de teatro, dono de casa de espetáculo e presidente da FUNARTE, Celso Frateschi. Não fizeram. Prefiriram ficar de costas e tratar a questão como um problema particular e meramente empresarial.
Várias empresas do entorno deveriam ter investido na permanência do grupo. Não fizeram. Prefiriram ficar de costas para o mais importante projeto cultural jamais pensado e proposto para aquela região. A burrice dos empresários gaúchos é do tamanho de um rinoceronte. Devido a uma generalizada pobreza cultural não enxergam um palmo na frente do seu cotidiano capitalista. Tentamos de todas as formas nos equilibrar e nos manter firmes na nova sede. O projeto não se demonstrou viável. Infelizmente, levei dez anos para perceber isso.
Pensamos em fazer um grande enterro do Depósito, mas ficamos com medo de represálias a futuros projetos que levem o nome de algum ex-integrante do Grupo. Estou me sentindo paralisado, emparedado.
Ter sido enganado pelo próprio prefeito José Fogaça, que fez todo um jogo de cena numa reunião que nos fez esperar mais de um ano e meio pela aprovação de um projeto que até hoje continua tramitando e que ficará eternamente tramitando. Pena que a cultura seja tão pobre e tratada de uma forma tão mesquinha, que estes fatos nem vão arranhar a sua re-candidatura ao posto de prefeito.
Ter sido penalizado arbitrariamente pela FUNARTE e não conseguir em momento nenhum uma audiência com o seu presidente, Celso Frateschi, que veio inúmeras vezes a Porto Alegre e não foi capaz de nos convidar para uma conversa, onde tudo pudesse ser esclarecido. A FUNARTE desconheceu as provas que apresentamos e ainda nos tachou de aproveitadores e desonestos. Imaginem. Uma entidade que invariavelmente atrasa seus pagamentos ou simplesmente cancela seus compromissos assumidos. A FUNARTE foi tremendamente injusta. Opção: entrar com um processo na Justiça contra um órgão do Governo Federal, esperar entre dois e cinco anos para ter uma sentença e ter a vida trancada pelos burocratas durante todo este tempo. Maravilhosa opção.
Todas estas atitudes provocam um sentimento de desimportância, um enorme desânimo geral e uma forte descrença no meio, nos administradores culturais, nos políticos, e na validade de propostas sociais.
Vamos então deixar de hipocrisia. Que descentralização, o quê? Que inclusão cultural coisa nenhuma. Os funcionários querem apenas se locupletar. Querem salvar sua pele. Se beneficiar do poder e salário que recebem. Fechem a Secretaria de Cultura do Estado. Ela não funciona desde que o Appel saiu há mais de vinte anos. Estão sucateando a cultura local. A atuação dos últimos três governos na área cultural é daninha, é criminosa. Logo teremos somente CTGs e o dia 20 de setembro no calendário cultural do estado. Ou nem isso. Chega de cabide de emprego. Ou trabalham ou caiam fora. Chega de ouvir os artistas, de escutar a classe. Baboseira. Estão se lixando para o que a classe pensa. Quando uma SMC vai apresentar um projeto cultural para Porto Alegre comtemplando todas as demandas de uma cidade que não é mais uma província. A quem interessa manter Porto Alegre como uma província? Chega de discursos vazios, reuniões simpáticas, política de balcão e favorecimentos da amizade. Chega de reinados. De feudos. A quem vocês todos ocupantes de cargos pensam que estão enganando?
Perdi 10 anos de trabalho investido, perdi minha casa, minha cara, perdi minhas referências, perdi o tesão, perdi meu rumo, não sei bem o que vou fazer daqui pra frente. Pode ser que seja apenas uma fase passageira, e que logo a seguir eu ache este texto um tanto dramático,mas isso não impede que eu me sinte exatamente assim neste momento.
Primeiro pensei que Porto Alegre perderia também com a extinção do grupo do espaço e do projeto, mas percebo que Porto Alegre não perderá nada, simplesmente porque nem se dá conta das coisas que perde.
Este texto pode parecer um tanto magoado, cheio de auto-comiseração e acusações extremadas. Mas quem me conhece sabe que só parece. Fico num impasse: ou me calo e dou corda a hipocrisia, ou penduro as chuteiras e vou morar na Casa dos Artistas, ou radicalizo minhas opiniões e preservo minha sensibilidade e dignidade de artista intacta denunciando claramente as coisas que me incomodam. Ultimamente, estou mais voltado a exercitar esta última opção. Apertar o botão do foda-se.

Roberto Oliveira
Foto: Kiran

DESÂNIMO TOTAL

Não aguento mais estar aqui em BH. Estou louco pra voltar pra minha casa que não é minha e pra minha cidade que é o lugar onde eu nasci. Não sei exatamente porque quero tão ansiosamente voltar. Na verdade, voltar me apavora porque não sei o que fazer. A destruição de dez anos de trabalho duro no Depósito de Teatro me achatou. Estou tentando manter o bom humor e o astral elevado para não cair em depressão, fingindo que estas coisas acontecem, que empresas vão a falência, que vidas tem que ser reconstruídas, mas a verdade é que é dolorido demais e completamente desanimador. O que faço agora? Teatro? Pra quê? Com quem?

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

PRIMEIRA ANOTAÇÃO



Há quase dois meses estou em Belo Horizonte. Como todo estrangeiro, turista ou trabalhador temporário, como é o meu caso, tenho caminhado bastante. Assim sendo, acho que já posso me dar ao direito de emitir alguma impressões sobre a cidade.
Então vamos lá:
Trata-se de uma cidade tão desumana quanto qualquer cidade que se pretenda grande. Favelas gigantescas. Concreto esmagador. Trânsito terrível e cruel para com os pedestres. Quem tem carro é que manda. Os morotistas são péssimos e embuídos de um prepotente espírito assassino. Fecham cruzamentos. Se fecham uns aos outros. Não respeitam as faixas preferenciais para pedestres e se ocê bobear eles te atropelam "com toda razão".
A porcentagem de mulheres feias é elevadíssima e em geral elas se vestem muito mal. Mesmo aquelas que apostam nas grifes dos vários mega shoppings da cidade se vestem com um mau gosto impressionante. A cidade tem uma vida cultural agitada, cheia de bares e magníficos restaurantes, com uma programação artística variada com a predominância do brega, o teatro infantil é da pior qualidade e o teatro adulto também se encontra infestado de produções caça-níqueis, comédias rasas e shows baianizados. A mineirice é visível. O pé na roça do cidadão comum e até de uns mais intelectualizados. Somente as ladeiras de Ouro Preto são mais íngremes que as daqui. É um inferno sair pra dar uma caminhada. Via de regra eu desisto. O transporte urbano é péssimo e ultra demorado. Tirando todas estas coisas que não prestam o resto é muito bom.
Roberto O.