domingo, 9 de janeiro de 2022

DIÁRIO DE UM EX FUMANTE


Neste livro, escrito na forma de um diário, nem tudo que está escrito realmente aconteceu. Tem bastante ficção.

Eu realmente passei pela árdua experiência de parar de fumar. Só consegui fazer isso na terceira tentativa.

Parei de fumar em 1998 e escrevi o livro nos anos de 2000/2001 com a intenção de exorcizar toda  angústia, aflição, raiva, tristeza, ansiedade, medo, depressão, e etc. que atravessei em diversos momentos durante o período de abstinência. 

Decidi escrever a experiência através de um diário irônico e carregado de humor pensando que ao rir das situações pelas quais passei, eu pudesse estar contribuindo de alguma forma com pessoas que tomam a mesma decisão que eu tomei e enfrentam as mesmas batalhas que eu enfrentei. Parar de fumar não é uma coisa fácil.

Atualmente, tenho 68 anos e continuo sem fumar. 

Confesso que muitas vezes quando saio do mar ou quando chegam os primeiros dias frios do inverno gaúcho eu ainda sinto desejo por um cigarro.

É verdade que eu me apaixonei por uma belíssima mulher que fumava compulsivamente, o que me deixava com muito medo de voltar a fumar.

Se você quiser pode ler o meu livro acessando o endereço abaixo:

diariodeumex-fumante.blogspot.com 

quarta-feira, 28 de julho de 2021

MEMÓRIA 04 – O BARÃO NAS ÁRVORES DA REDENÇÃO

 


Considero a montagem de O Barão nas Árvores da Redenção uma aventura teatral. E acho que eu posso dizer que todos, todas e todes que participaram da montagem consideram aquela encenação como um marco nas suas vidas e nas suas carreiras. Todos celebram o acontecimento inédito e ousado que tiveram a sorte de participar.
Lamentavelmente, por causa da crônica falta de visão dos nossos administradores da Cultura e do Turismo, o espetáculo foi apresentado somente em oito sessões. Desculpem a acidez, mas são uns tapados. Amarram Porto Alegre no atraso. Apostam em manter a da cidade como a província que não é mais.
O ano era 1997. Eu e minha grande amiga Patrícia Fagundes, atualmente, uma conceituada e importante diretora, estávamos passando pela experiência de trabalhar juntos na encenação de três textos clássicos de Plínio Marcos no Teatro de Arena. Conversei com ela sobre a ideia de montar o texto de Ítalo Calvino sobre as árvores da Redenção. Ela aceitou na hora. As peças ainda estavam se apresentando no Arena quando abriu um novo edital do Fumproarte. Eu e a Patrícia, escrevemos um projeto a quatro mãos (mais as delas do que as minhas) e submetemos ao Fumproarte a proposta de financiamento para o Projeto Barão nas Árvores.
No primeiro edital que concorreu foi recusado: falta de foco. Além da peça estávamos propondo uma mostra fotográfica do Parque da Redenção e um debate sobre a situação dos parques públicos. No segundo semestre (sim, naquela época o Fumproarte tinha dois concursos por ano) reapresentamos o projeto. Agora era somente a produção de uma peça que aconteceria no Recanto Europeu da Parque da Redenção.
Dois ou três anos antes eu havia lido e ficado maravilhado com a magnífica obra de Ítalo Calvino, que conta a história de Cosme, um menino que aos nove anos enfrenta frontalmente seu pai recusando-se a comer os escargots preparados por sua irmã. Pai e filho têm uma discussão na mesa, durante o almoço familiar. No auge do embate o menino levanta-se da mesa, corre até o jardim, sobe em uma árvore e afirma que nunca mais vai descer. E nunca mais desce.
Pra mim O Barão nas Árvores parecia uma metáfora sobre o fazer teatral. Uma metáfora sobre a obsessão de fazer teatro. De defender uma ideia às últimas consequências. A obstinação do artista. Fiquei fascinado tanto pelo livro quanto pelas possibilidades cênicas que ele apresentava. Eu e a Patrícia combinamos que íamos fazer a adaptação do texto juntos, que eu seria o diretor da peça e ela seria assistente de direção e chefe de produção.
O Barão nas Árvores da Redenção foi a primeira peça que eu fiz num espaço não convencional. Fora de um teatro. Essa ideia estava em voga naquela época. Experiências de teatro em ônibus, teatro no Palácio do Catete, teatro num hospital, etc. O Teatro da Vertigem fez um espetáculo dentro de uma igreja em São Paulo. No Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo aconteceram experiências assim.
Então pensei: é claro que aqui em Porto Alegre as autoridades aceitariam a ideia.
Só que não.
Não foi nada fácil de conseguir autorização para fazer a peça no Parque da Redenção. Foi um verdadeiro embate contra a bur(r)ocracia da Prefeitura de Porto Alegre. O pessoal da arquitetura da SMAM e a Associação dos Amigos do Parque fizeram o possível para impedir que o espetáculo ocupasse o Recanto Europeu. Fomos de reunião em reunião, de gabinete em gabinete. Contávamos com o apoio concreto do diretor do Parque. Era o nosso trunfo. Chegamos no gabinete do Prefeito.
Convencemos a todos do óbvio: era culturalmente importante que o Recanto fosse liberado para os ensaios e apresentações da peça. Era de extrema importância incentivar a experiência de colocar um espetáculo inédito num espaço alternativo. Falamos sobre as experiências que vinham sendo feitas em outras capitais. Era politicamente democrático que a arte ocupasse os parque e praças e outros espaços públicos da cidade.
Para interpretar Cosme, o protagonista da história de Calvino, convidei o ator Fernando Kike Barbosa. Tínhamos recentemente trabalhado juntos em Dois Perdidos Numa Noite Suja. Já naquela época, Kike era um ator experiente, versátil e muito talentoso. Oriundo da Terreira da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveis.
Para viver o papel do autoritário Barão, pai de Cosme, convidei a preciosa Arlete Cunha, atriz que já naquela época era premiadíssima e qualificadíssima, também saída do Ói Nóis. O restante da família do Barão foi composto com Giselle Cecchinni, maravilhosa atriz recém chegada de São Paulo, no papel da Baronesa chamada de Generala; Biño Sawitzki, jovem ator, atualmente radicado em Paris, cheio de gana e vitalidade, seria o gentil e educado irmão Biágio quando jovem.
O mesmo papel de Biágio na velhice era desempenhado pelo grande ator Sérgio Etchichury (mais um saído do Ói Nóis); e Sandra Possani, excelente atriz e generosa colaboradora (mais uma do Ói Nóis), fez a desagradável irmã Batista. A extraordinária atriz Liane Venturella, aprendeu a andar à cavalo para viver a avançada Viola, a namorada de Cosme. E Tiago Real seria o Conde D'Estomac, incauto pretendente à mão de Batista.
Como se vê um elenco de peso. Esse grupo que formava a família do Barão era secundado por Álvaro Rosacosta, Fernando Pecoits, Laura Backes, Renato Santa Catharina, Vika Schabbach, Vinicius Petry, Giancarlo Carlomagno e Raquel Nicoletti, atriz que atualmente reside em Portugal.
Além destes 16 artistas havia o Elenco Um e Noventa e Nove que era composto por atores iniciantes que aceitaram participar do trabalho simplesmente em troca da experiência de atuar. Foram assim chamados porque ficou acertado que receberiam a vultosa quantia de R$ 1,99 como cachê dos ensaios e das apresentações. Era uma brincadeira carinhosa que surgiu no elenco e era muito bem aceita por todos eles. Pelo menos é que eu acho. Na real, todo mundo que participou recebeu um cachê indigno.
O Elenco Um e Noventa e Nove era formado por André Mubarack, Carla Castro, Fernando Xavier (que acabou não estreando), Janaina Pelizzon, Kailton Vergára, Larissa Maciel, Messias Gonzalez, Nádia Mancuso, Sabrina Lermen, Tuta Camargo e Miriã Possani, que tinha uns 9 ou 10 anos na época. Onze atores e atrizes, quase todos em início de carreira, em sua maioria alunos do DAD.
Assim, que eram 16 atores, 11 atores convidados, 2 cavalos da BM, 3 músicos e 2 técnicos. Os músicos reclamavam que eram colocados depois dos cavalos. Os técnicos reclamavam que eram sempre colocados por último. A peça durou somente oito apresentações. E eu teria ainda muitas histórias pra contar sobre a nossa grande aventura na Redenção. Sobre a Banda Municipal, sobre a trilha sonora da peça composta por Cristiano Hanssen, sobre a Arlete Cunha e o seu cavalo, sobre a praça de alimentação. Talvez, em algum momento, destas memórias eu volte ao assunto.

MEMÓRIA 03 - FARRA DE TEATRO

 


No ano de 2002 o Depósito de Teatro estava de vento em popa. Um dos grupos mais importantes de Porto Alegre, um dos poucos que tinha uma sede e, com a bem sucedida montagem de “O Pagador de Promessas”, começava a ser reconhecido nacionalmente.
Naquela época o grupo era composto por Roberto Oliveira, Sandra Possani, Liane Venturella, Maria Falkembach e Sérgio Etchichury. Quando chegava o final do ano a gente tinha o hábito de fazer uma reunião que tinha como objetivo pensar e decidir sobre o que seria feito no ano seguinte. Procurávamos uma ideia com um objetivo principal em mente: o que fazer no verão de 2003 que proporcionasse recursos pra gente pagar o aluguel do espaço em janeiro e fevereiro.
Surgiram muitas ideias mas nenhuma era suficientemente boa para agradar a todos. Lá pelas tantas eu falei: porque a gente não faz uma versão daquele trabalho daquele cara que morreu e que esteve aqui naquele Porto Alegre em Cena? Aquele que tu (Maria) e tu (Sandra) participaram? A gente poderia recriar a ideia do cara. Seria uma homenagem e o espetáculo era muito bom.
O cara que havia morrido era o diretor carioca Márcio Viana, que havia falecido no auge de sua promissora carreira, o espetáculo era a “Farra dos Atores”, que havia sido apresentado no Festival Porto Alegre em Cena de 1996. O espetáculo era montado da seguinte maneira: O Márcio e integrantes do seu grupo passaram uma semana inteira ensaiando com atores e atrizes daqui de Porto Alegre que foram convidados pela produção do Em Cena pra participar do evento. Ensaiaram durante a semana e fizeram duas apresentações no final de semana no saguão da Usina do Gasômetro.
Eu lembrava que corriam muito e que era muito emocionante. Lembrava que corriam muito, que durava muitas horas, que tinha música e que prendia a atenção da gente por causa das cenas impactantes, vibrantes, feitas por uma galera, por um elenco numeroso. A Maria e a Sandra confirmaram minhas lembranças pois também elas haviam sido marcadas pela experiência de ter participado daquela Farra. Todo mundo ficou feliz com a ideia e ficou decidido que este seria o próximo trabalho do grupo.
A gente começou então a relembrar como era a encenação. A Maria lembrava de algumas cenas, a Sandra lembrava de outras partes do espetáculo. Conversamos com atores e atrizes porto-alegrenses que haviam participado da experiência dirigida pelo Márcio. Fomos juntando os fragmentos de memórias. Costurando lembranças de uns e de outros fomos reconstruindo o espetáculo. Onde ficava um buraco a gente inventava uma cena. Onde ninguém lembrava a gente mesmo criava algo novo.
E assim, começamos a divulgar uma oficina que resultaria na nossa primeira Farra de Teatro prevista pra acontecer no verão de 2003. Como um dos objetivos era conseguir dinheiro pra pagar os aluguéis, para participar na Oficina o candidato tinha que pagar. Infelizmente, apareceram poucos candidatos. Mas, como sempre, resignados, levamos o projeto adiante. Se bem me lembro, eu a Sandra e a Maria nos encarregamos de puxar a primeira Farra de Teatro do Depósito.
A apresentação foi num domingo no Bric da Redenção. Como eram poucos participantes fomos obrigados a mudar o formato. Trocamos a corrida em círculo por uma espécie de parada, uma fila indiana que desfilava pela José Bonifácio, parava em algum ponto determinado, formava uma roda e apresentava uma cena. Mesmo com poucos participantes foi um evento. Lembro que a cena do beijo foi polêmica porque teve beijo homossexual. O público se dividiu em vaias e aplausos. Era uma Farra colorida e diferente. Sem música, mas seguia a cadência de um bumbo que marcava o desfile, o início e o final das cenas.
A nossa experiência com a Farra poderia ter terminado por aí, se não fosse o Fórum Social Mundial ter convidado o Depósito de Teatro para realizar uma atividade no eixo temático “Artes e Criação: construindo as Culturas de Resistência dos Povos”, dentro da programação artística do grande evento que estava mobilizando o mundo e direcionando todos os olhares do planeta para Porto Alegre. Desta vez foi a Maria que sugeriu que fizéssemos a Farra outra vez. Topamos. Convidamos o Renato Del Campão (que havia participado do espetáculo do Márcio Viana) para nos ajudar a reconstruir o mais fielmente possível o que era a Farra dos Atores.
Assim, em 2005, em pleno Fórum Social Mundial, no gigantesco espaço do Anfiteatro Pôr do Sol, para um público estimado em 6.000 pessoas, estreava a Farra de Teatro com um elenco de mais de cem atores. A experiência foi linda, ímpar, brilhante e teatralmente maravilhosa. Foi emocionante. Uma apresentação de arrepiar. Quem fez e quem viu jamais poderá esquecer.
Juntamos as cenas que conseguimos recuperar de memória com outras cenas que inventamos. Havíamos feito diversas reuniões com o DJ Damon Meyer (que e o DJ oficial da Farra) para escolher a play list das músicas que dariam o comando das cenas para o elenco. Havíamos ensaiado exaustivamente com toda a galera na Praça do Tambor durante a semana anterior. Foi um trabalhão enorme, mas fomos plenamente recompensados pela satisfação de tocar o público com um verdadeiro acontecimento teatral. Tenho certeza de que se o Márcio Viana visse, ele teria aprovado a nossa Farra de Teatro que seguia os moldes da sua genial Farra dos Atores.
Depois desta fantástica arrancada a Farra de Teatro continuou encantando artistas e plateias ao longo dos anos. Transformou-se num grande evento realizado anualmente no estacionamento da Usina do Gasômetro. Quem mais incentivou (e financiou) a continuidade da Farra foi o diretor Caco Coelho, que sendo um homem de teatro, com uma visão aberta e abrangente percebeu o riquíssimo potencial artístico e humano da Farra. Também Breno Ketzer, Coordenador de Artes Cênicas do município, se dobrou aos encantos do espetáculo e colocou durante anos a Farra na programação oficial de aniversário da cidade.
A Farra de Teatro foi apresentada ininterruptamente de 2006 até 2016. No início acontecia no feriado de 15 de novembro, depois passou pra março na Semana de Porto Alegre. Aí entrou o governo neo-liberalóide do Marchezan relegando a cultura e a arte aos mais baixos patamares já vistos em nossa cidade. Querendo privatizar tudo. Vender os teatros, os cinemas, a Usina. E tivemos que fazer a Farra de 2017 de maneira independente. Os recursos foram batalhados numa campanha no Catarse, movidos pela raiva e por nossa vontade. Conseguimos juntar 70% do valor e fizemos assim mesmo. Tristemente foi a última edição da Farra de Teatro.
Como nas memórias anteriores eu teria ainda muita coisa pra lembrar. Olho as fotos e brotam recordações de momentos, de pessoas, acontecimentos extraordinários. Eu poderia ficar rico se cada pessoa que fez a Farra me mandasse um PIX de 10 reais. É muita gente. Me emociona ver as fotos. Muita coisa pra escrever. Outro dia eu voltarei ao assunto.
E a Farra de Teatro será que ainda vai voltar?
A MAIORIA DAS FOTOS SÃO DE KIRAN FOTOS
Quer ver mais fotos da Farra de Teatro?
Quer ver um documentário sobre a Farra?

MEMÓRIA 02 – BAGASEXTA


A segunda colocada no ranking dos comentários foi a Bagasexta festa-onírica-performática-teatral-dançante que estreou no Depósito de Teatro da Benjamin Constant em novembro de 2002.Tudo começou pelo menos uns dez anos antes quando eu fui para o Rio de Janeiro com o espetáculo “Decameron”, produção da Cia. Teatro di Stravaganza, com direção de Luiz Henrique Palese. Era 1993 ou 94. Numa noite de folga fui assistir um espetáculo que fazia um enorme sucesso num pequeno teatro carioca.

O espetáculo se chamava Teatro de Terror, foi criado e era protagonizado pela atriz Vic Militello (1943-2017) que abria a noite dizendo assim: “Boa noite. Inacreditável que vocês tenham vindo. Nós avisamos… Mas mesmo assim vocês vieram nos assistir. Bem-vindos ao pior espetáculo em cartaz na cidade. O crítico veio e escreveu que é tão ruim, que é quase bom. Ficamos preocupados, precisamos piorar. Aqui, o público é sempre o mesmo, o espetáculo é que muda a cada semana.”
Era um sucesso “cult” absoluto que já havia se apresentado em São Paulo e que estava em cartaz no Rio. Acontecia nas sextas sempre à meia-noite. Tudo era ensaiado apenas uma vez, pois como afirmava Vic: “Não queremos correr o risco de ficar bom”. O elenco se encontrava na sexta mesmo e mais combinava as cenas do que, propriamente, as ensaiava. E na hora a plateia delirava com cenas de puro “terrir”. Tinha, por exemplo, o Homem-Bomba, a Mulher-Cobra, o Zé do Caixão (o próprio e “covers”). Na noite que assisti tinha a participação da Malu Mader como uma virgem que seria sacrificada na peça de terror apresentada no final da noite.
Voltei do Rio de Janeiro com a certeza de que deveríamos fazer algo semelhante em Porto Alegre. Cada vez que eu tinha oportunidade falava para as pessoas. Convidava colegas pra fazer algo igual aqui. Eu tinha certeza de que seria um sucesso. Ninguém dava bola. Achavam “ai, lá vem o Roberto de novo com suas ideias”. Não aconteceu mas, a ideia nunca saiu da minha cabeça.
Anos depois, em São Paulo, novamente apresentando uma peça, eu fui ver a Quinta Insana que depois virou a famosa Terça Insana. Acontecia num bar. Gente bebendo, gente conversando, dava um sinal, tudo mundo ficava quieto para assistir uma cena cômica, um quadro de humor. Muitas risadas e diversão.
Voltei pra Porto Alegre. Era final do ano 2000. Cheguei com mais certeza ainda de que tínhamos que fazer alguma coisa naquele estilo. Algo igual porém diferente. Ou diferente porém igual. Insisti. Levei o assunto pra reunião de pauta do Depósito de Teatro. Argumentei muito sobre a ideia. Todos toparam. Anotamos mil ideias. E não fizemos nada. A desculpa era que a gente não tinha recursos pra produzir e então tinha que fazer um projeto e ir atrás de patrocínio.
Em 2002 a atriz Carla Costa puxou o assunto de novo. Ela disse que se a gente ficasse esperando as condições ideais pra fazer o espetáculo a gente corria o risco de não fazer nunca e que ela achava que a gente tinha que fazer de qualquer maneira e não ficar inventando motivos furados pra ir adiando o projeto que era uma ótima ideia que a gente estava deixando de lado.
Comoveu todo mundo. Começamos de verdade a trabalhar no show. Reunimos as ideias. Criamos o formato. Fizemos um brain storm para inventar um nome. E o ator Heinz Limaverde foi quem deu o nome de batismo. Cada um se responsabilizou por uma tarefa da produção e em novembro de 2002 nascia a Bagasexta Drinks.
Me lembro que na noite de estreia estávamos todos roendo as unhas, preocupados se haveria público. Estava marcado para começar às 22 horas. Quinze pras 10 e não tinha ninguém. Cinco pras dez chegou um casal. Às 22h00 tinha umas 10 pessoas. Cheiro de fracasso. A gente se olhava meio constrangidos e decidimos esperar mais um pouco pra apresentar o primeiro número da noite.
E aí começou a chegar gente. Gente que não parava mais. Lotaram completamente as dependências do Depósito de Teatro. Ficaram encantados com os quadros, beberam muito, dançaram muito, riram muito. O slogan da Bagasexta que era “diversão garantida ou seu dinheiro perdido” se fez valer. A gente se olhava e ria. Eu via se realizando na minha frente uma ideia de mais dez anos.
A Bagasexta Drinks virou só Bagasexta. Se transformou numa festa temática. Era pra ser semanal e a cada semana tinha um tema. O volume de trabalho era intenso e haviam outras coisas pra fazer no Depósito de Teatro. Então a Bagasexta passou a ser quinzenal. Era frequentada por tribos diferentes embora todas estivessem buscando se divertir. Os quadros foram ficando cada vez mais insanos e nós cada vez mais ousados nas propostas. E o público vindo junto. Participando coletiva e ativamente. Enchendo o Depósito pra loucura dos vizinhos.
Falei muito em “nós”. Nós éramos eu, as três atrizes Sandra Possani, Maria Falkembach e Carla Costa e os três atores Hein Limaverde, Marcelo Aquino e Júlio Andrade, o Julinho. Com tempo foram se juntando a nós o Mirco Zanini na iluminação, a Miriã Possani e o Duda Cardoso na produção geral, o Eugênio Moreira no caixa, o Chico Perereca no bar. O Dimitri Lucho na câmera e na produção dos vídeos. E, botando o povo inteiro pra dançar, no comando da festa, estava o DJ Skelter, Marcelo Schneider, que a gente chamava de “o pior dj do planeta”. Certamente estou esquecendo alguém que vai ficar chateado.
A última edição da Bagasexta foi em 2011, durante a comemoração dos 15 anos do Depósito de Teatro: a Bagasexta Debutantes. Aconteceu no Centro Cenotécnico e foi muito difícil reunir todo elenco, já que a Maria estava morando em Pelotas, o Julinho estava em São Paulo, o Marcelo Aquino no Rio de Janeiro e a Sandra em Recife. Aliás, este foi um dos motivos pelo qual a Bagasexta acabou deixando o público com uma sensação de orfandade. Mas só eu e o Heinz continuávamos em Porto Alegre.
Eu teria ainda muita coisa pra escrever sobre a Bagasexta. Poderia falar sobre temas e/ou quadros memoráveis, sobre o projeto de ficar famoso em Porto Alegre, sobre como passar o verão em Porto Alegre, sobre os filmes que fizemos. Cada vez que o Jorge Furtado lançava um filme a gente fazia a nossa versão. Poderia escrever sobre o Festival de Cinema Gramado Sintético que fizemos na Sala P.F.Gastal, sobre a vez que decidimos descer o riacho Ipiranga de barco até o Guaíba, ou sobre a participação da Bagasexta no Planeta Atlântida. Mas, vou deixar espaço para que vocês me contem suas memórias sobre a Bagasexta Será uma forma de vocês completarem as minhas próprias lembranças, pois como diria o Roberto Carlos: “são muitas emoções”.
Às vezes penso: hum, talvez um dia... quem sabe quando passar a pandemia...hum... não seria mal ideia... hum?

MEMÓRIA 01 - REMENDÃO



Como o Remendão foi o mais lembrado nos comentários que recebi, é sobre ele que vou escrever a primeira desta série de oitenta memórias associada a fotos que vou postar aqui como contrapartida ao meu Projeto Trajetória. É um excelente começo, já que eu tenho um enorme apreço e carinho por este personagem.
O ano era 1981. Eu estava na maior pindaíba. Completamente duro, sem dinheiro pra nada. Era casado, tinha dois filhos e vivia um dia de cada vez resolvendo diariamente a sustentabilidade da família.
Na mesma época eu estava ensaiando uma peça infantil que eu acreditava que seria a salvação da lavoura quando estivesse pronta. A peça era “O que seria do Vermelho se não fosse o Azul”. Eu escrevi a peça, era o diretor, o produtor e atuava. Isso renderia 4 “bolinhas” na futura divisão dos cachês.
Uma tarde voltei do ensaio e tinha um recado pra mim. Não lembro de que maneira o recado chegou. Não existia celular e eu não tinha telefone em casa. O recado dizia que eu devia ligar para Liliana Reid, da direção da TV Guaíba, pois ela tinha uma proposta de emprego pra mim num novo programa infantil que seria lançado pela emissora. O salário era, digamos, atualizando, quinze mil reais.
Fiquei louco. Fui até o orelhão mais próximo e liguei muitas vezes. Era sexta-feira, feriadão e a Liliana não estava. Só na segunda-feira. Sofri o final de semana inteiro de ansiedade querendo que a segunda chegasse logo.
Na segunda-feira de manhã liguei de novo. A Liliana não estava. Só de tarde.
Liguei. Ela havia saído. Quase tive um enfarte. Só consegui falar com ela na quarta-feira. Pensei que havia perdido o emprego.
Só que não era uma proposta de emprego. Era um convite para fazer um teste para o programa Guaíba Criança que entraria logo no ar. Quem me indicou foi a grande atriz e diretora Suzana Saldanha. Eu havia trabalhado com a Suzana. Ela era apresentadora do Guaíba Ao Vivo e quando soube do teste disse pra Liliana me chamar. Santa Suzana. Mal ela sabe que ajeitou minha vida.
Fiz o teste morrendo de nervoso. Medo de não ser aprovado. Achei que meu teste não tinha sido bom. Estava indo embora cabisbaixo quando uma produtora do canal chamada Vera Vergo me pediu um favor:
Roberto, você pode ajudar as atrizes que serão testadas para a função de apresentadoras contracenando com elas?
Passei a tarde me divertindo. Cada vez me soltando mais. Colaborei numa dúzia de testes com diversas meninas. No final da tarde eu saí da Guaíba aprovado. Devia voltar na sexta-feira pra assinar o contrato. Meu único emprego de carteira assinada na vida. O salário não era tudo aquilo. Devia ser equivalente a uns cinco mil mensais. O que era muito dinheiro. Pra mim, então, era muito mais do que eu jamais imaginaria ganhar.
Dois meses depois estreou o Guaíba Criança. Com música de Léo Ferlauto. Cenário e arte do Elton Manganelli. E com a Flavinha Aguiar como apresentadora. Estes dois últimos eu já conhecia. Havíamos atuado juntos em “A Comunidade do Arco-íris, de Caio Fernando Abreu, com direção da Suzana Saldanha.
O Elton Manganelli criou o boneco Remendão. A Vera Mucillo entrou como apresentadora. A Vera Vergo era a produtora do programa. Maria Helena Calixto. E juntos nós criamos o formato do programa com seus jogos, gags e brincadeiras. “Cabeças” que chamavam os desenhos da programação infantil. Uma época de intensa criatividade e sintonia da equipe. Brincadeiras como o Quindim do Remendão e o Jogo da Velha ficaram famosas no programa. As crianças participavam no estúdio interagindo com o Remendão.
Alguns meses depois, por indicação da Aninha Comas (que era do Guaíba Feminina) o Remendão começou a trabalhar em festas infantis. E aí, meus amigos, eu ganhei muita grana. É verdade que passei mais tempo dentro da roupa do Remendão do que fora dela. Quase tive uma crise de identidade de tanto tempo que eu era o Remendão.
O sucesso foi tão grande que escrevi uma peça de teatro chamada “Remendão & Cia”. A peça estreou no extinto Cine Teatro Presidente que hoje é uma igreja evangélica. Foi o maior sucesso. A fila se estendia por duas quadras da Benjamim Constant e dobrava na rua Olinda seguindo por mais um quilômetro. Uma temporada de um mês com o Teatro Presidente lotado aos sábados e domingos de tarde.
Na peça o Luís Emílio Strassburger interpretava o Elton Manganelli. A música foi composta e interpretado ao vivo pelo próprio Léo Ferlauto. No elenco tinha a Márcia Erig, a Flávia Aguiar e a Vera Mucillo.
O Guaíba Criança durou alguns anos e acabou. Levamos o programa para a TV Pampa com o nome de Remendão & Cia. Durou mais dois anos e a emissora encerrou o contrato por falta de anunciantes. O Remendão ficou sem casa. Ficou somente na memória das crianças que frequentavam o estúdio e/ou assistiam pela televisão. Aquelas crianças estão hoje na faixa dos 45 anos e só elas é que lembram do boneco Remendão.
Na minha vida foi um tempo excepcional. Talvez o momento no qual eu mais me senti um ator profissional. Embora quase ninguém me conhecesse, eu era bem remunerado, prestigiado e querido pelas crianças. Entre outras coisas comprei um telefone e passei a dizer sim para os meus filhos no supermercado. Um período realmente memorável na minha vida. Ao qual sou imensamente agradecido por ter vivido.
No Google pode-se encontrar alguma coisa sobre o programa em:

Visualizar o vídeo TV Foca - Remendão do YouTube 

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

A MAIS ALTA TRAIÇÃO



Causa-me grande dor concluir que aquele país da minha infância não existe.
Nunca existiu.
Com sete anos o Brasil era para mim o melhor país do mundo.
As coisas que eu aprendia na escola.
As riquezas imensas das terras brasileiras.
Meu país era pujante e garantia o meu futuro.
Com sete anos eu confiava no Brasil que eu conhecia.
Aos nove anos descobri que todas aquelas grandes empresas que faziam a riqueza do Brasil, não eram brasileiras e não produziam riquezas para o Brasil e sim para os seus países de origem.
Eram as multinacionais.
Que decepção.
Em 1964, um pouco antes de completar 10 anos, eu vi Porto Alegre sitiada.
Sacos de areia faziam altas barricadas.
Os militares estavam espalhados por todo centro da cidade.
Armados. Fuzis. Metralhadoras.
Tanques estacionados nas ruas do centro.
Meu pai me disse que estava instaurada uma ditadura militar.
Como assim?
Meu país era uma ditadura?
Mas, eu aprendi na escola que o pior regime do mundo eram as ditaduras.
Com 12 anos a ditadura continuava e eu descobri a escravidão.
Li O Navio Negreiro de Castro Alves.
O professor de história do brasil falou na aula sobre o regime escravagista.
A crueldade. A matança. A maneira como os negros eram tratados.
Absolutamente, isso não era o meu Brasil idealizado quando era pequeno.
Parece que percebi na nossa origem a vergonha de ter escravizado pessoas. De tirar a liberdade de seres humanos em nome da manutenção das riquezas e posses de uma elite branca e, na maior parte, naquela época, estrangeira.
Com 14 anos (1968) vi o movimento hippie nascer.
A promessa de paz e amor no planeta.
A Era de Aquarius se aproximava.
Esperança de um mundo melhor. Mais amoroso.
E aqui no Brasil a ditadura apertava os grilhões.
Notícias de tortura.
Pessoas eram presas.
Jovens, professores, ativistas, deputados, jornalistas, artistas, eram presos e mortos e exilados e torturados.
Quem era contra a ditadura era subversivo.
E veio a censura.
E veio o Ato Institucional número 5.
A ditadura calou o país.
A ditadura era uma merda.
Aos 18 anos desisti do meu Brasil.
Não tinha nada a ver com aquele país que eu vislumbrara na infância.
Que enorme decepção outra vez.
A ditadura durou até 1986. Eu estava com 32 anos.
Que loucura.
Dos 10 aos 32 anos vivi num Brasil governado por uma ditadura militar que torturava pessoas, que matava, que censurava, que aniquilava com o pensamento contrário.
Que acabava com as reservas do país em troca de uma dívida externa fantástica.
E dava pena ver o meu Brasil tão rico com um povo tão empobrecido.
Sofrido.
Eu e aquelas pessoas que eu via éramos o povo Brasileiro.
Os trabalhadores. Aqueles que unidos jamais serão vencidos.
A ditadura acabou com muitos dos meus sonhos e de muitos outros brasileiros.
Ame-o ou deixe-o.
Noventa milhões em ação.
Eu não acreditava naquilo.
Tive que engolir o Fundo Monetário Internacional.
Eu enxergava um povo massacrado. Uma grande maioria mantida na miséria, na pobreza e na ignorância.
Tinha vontade de deixar aquele país que me traia a imaginação.
E  aí veio a abertura política lenta gradual e segura.
Finalmente a ditadura acabou.
E tivemos que engolir aquela anistia que perdoava os torturadores.
Mas vibramos com cada avanço da democracia.
Engolimos o Delfim Neto, engolimos o Simonsen, engolimos o Sarney.
Mas nos alegrávamos com cada vento que soprava na direção da liberdade de expressão.
E veio a constituição de 1988 que é liberal, democrática e nacionalista.
E veio a CUT.
E veio o PT.
O partido dos trabalhadores.
Veio o Lula.
Perdemos uma.
Perdemos a segunda e tivemos que engolir o Collor.
E foi eleito o Presidente Lula.
O Brasil mudou.
Parecia que agora o país entrava no prumo.
Dirigia-se para um rumo que apontava para aquele país rico da minha infância.
Com o Presidente Lula senti, pela segunda vez, sentir orgulho do  meu país.
Pude sentir orgulho do meu Brasil.
Tive que engolir um vice-presidente vindo do PMDB e que era um notório ladrão já naquela época.
Mas, via meu Brasil crescendo. Via o meu povo saindo da miséria.
Sentia os avanços na área da Cultura.
Sentia no meu próprio bolso de artista o crescimento da economia brasileira.
Encontrei aquele país que eu delineara com a minha mente infantil.
O plano era ótimo: 8 anos de Lula, 8 anos de Dilma, 8 anos de Lula outra vez.
Só que não.
Deram o golpe na Dilma.
Arrebentaram com o PT.
Disseminaram o ódio na população.
Pegaram a bandeira brasileira pra eles.
Botaram o Lula na cadeia impedindo que ele concorresse e ganhasse a eleição.
Elegeram uma besta para presidente. O Coiso. O Capitão Bostonaro.
Um iletrado entreguista que idolatra um torturador.
Pior ainda, foram as urnas e votaram pela volta dos militares à política.
Paira no ar a reedição da ditadura.
O volta do "movimento" de 64 como disse o banana do Toffoli.
Que ele pensa que está enganando?
Absurdo.
Que país é esse?
Definitivamente, este não é o meu país.
Que vergonha.
Que dor.
Que decepção.
Sinto-me traído.
Me fizeram acreditar num país que não existe.
Me fizeram acreditar numa justiça que não existe.
Me fizeram acreditar em oportunidades que não existem.

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

ME EXPRESSANDO COM TINTAS

              Faz algum tempo que eu não apareço aqui. Então, hoje vou colocar uma nova pintura de minha autoria: Fantasmas, 21cm X 29,7cm, tinta acrílica e aquarela sobre papel kraft. À venda por R$ 8.000,00. 

#artesplásticas #expressãodoser #artistaplástico #eunapintura

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

BUKOWSKI - CENAS DA PEÇA


Tenho postado aqui na página vídeos com algumas atuações minhas em filmes. Então, pra variar, um vídeo com duas cenas de Bukowski - Histórias da Vida Subterrânea, espetáculo teatral do Depósito de Teatro . Apresentação gravada na Sala Álvaro Moreira em agosto de 2016, segundo ano de apresentações da peça.

sábado, 30 de dezembro de 2017

CÃO SEM DONO

Cão Sem Dono, um filme de Beto Brant e Renato Ciasca, com Júlio Andrade, Tainá Müller, Marcos Contreras, Janaína Kremer e Sandra Possani. As cenas nas quais eu participo somam 9'12". Elas me valeram o Prêmio de Melhor Ator Coadjuvante no Festival Internacional de Lima.

METAMORFOSE


Desenho à lápis e pastel sobre papel comum. Comecei a desenhar em 2012 quando estava fazendo mestrado em artes cênicas, no qual eu estava desenvolvendo um projeto chamado Metamorfose. Terminei(?) o desenho em 2014.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

PEQUENOS RECORTES DA VIDA URBANA PARA LER NO BANHEIRO.

Eu tô sempre lendo pelo menos dois livros. Um que é o que eu ando com ele. E outro que fica no banheiro. Esse último tem que ser um livro específico pra ler no banheiro. De preferência um livro de contos. Ou poesias. Pensando nisso estou escrevendo aquilo que algum dia será um livro de contos pra ler no banheiro. Contos com o tamanho exato de uma boa cagada. Com o perdão da palavra. Hoje vou postar um deles.

1.

Eu vi uma barata saindo do bueiro. Eu vi um monte de baratas saindo de um bueiro. Não. Eu sonhei com baratas saindo do bueiro. Eram muitas baratas saindo do bueiro. O que eu vi mesmo foi a cabeça. Uma cabeça ao lado do bueiro. Cara, eu vi uma cabeça. Parecia que a cabeça tinha sido... Eu não acreditava. Olhava pra cabeça e pensava que não podia ser uma cabeça aquele volume escuro atirado ao lado do bueiro. Mas era uma cabeça. De homem. Toda ensangüentada. E parecia que tinha mesmo sido arrancada. Arrancada, cara. A cabeça foi arrancada e atirada perto do bueiro. Quem atirou deve ter pensado que a cabeça iria rolar pra dentro do bueiro, mas ela parou ao lado do bueiro. E eu ia só atravessando a rua. Tinha acabado de comer um xis. Tava voltando pra casa. Pra quê que eu tenho que ver uma cabeça? Quase vomitei em cima da cabeça. Vomitei nas baratas. Mas isso foi no sonho. Na real, não tinha baratas. Tinha um olho meio que saindo pra fora da cabeça. Eu ti um acesso de curiosidade mórbida e quanto mais não queria olhar aquele troço mais olhava e procurava detalhes, procurava reunir os pedaços de cérebro espalhados. De dentro do ouvido saia uma gosma branco-esverdeada que eu não soube definir o que era. Impossível saber a idade da cabeça. Era homem por causa do cabelo com corte de cabelo de homem mas também poderia ser uma sapata. A cabeça de uma sapata foi arrancada por um cara que perdeu a mulher pra sapata. O cara jogou a cabeça de dentro do carro pra ela cair dentro do bueiro e a maldita cabeça da maldita sapata parou na beira do bueiro. E não caiu. E quando ele (o cara) estava dando uma ré pra empurrar a cabeça da sapata pra dentro do bueiro, percebeu que vinha gente, que era eu e caiu fora. E eu encontrei a cabeça. Mas era tudo viagem. Não tinha carro nenhum na rua. Só eu e a cabeça e era uma cabeça de homem. Ta... não sei porque eu acho que é de homem, mas eu olho e SEI que é uma cabeça de homem. Amassada, ensangüentada, completamente avariada, esmagada na frente, partida atrás, uma massa disforme de cores variadas, uma cabeça de homem. Faço o quê? Chamo os homê? Chamo os bombeiros? A SAMU não adianta mais. Procuro o corpo pelas redondezas. Só com os olhos porque eu é que não ia sair dando uma banda e procurando o corpo naquelas bocadas tão mau iluminadas. Não via nada. Nada parecido com um corpo num raio de duzentos, trezentos metros. Então era só uma cabeça sem corpo. Pensei no Frankenstein e viajei que podia ser uma cabeça que alguém estava trazendo do cemitério. Podia ser um carregamento de cabeças dentro de um caminhão. Todas essas cabeças seriam usadas para criar um batalhão de frankesntein que seriam treinados pelos americanos para destruírem o irã e o iraque e todos os palestinos, judeus, libaneses, e todo aquele povo que arma há quinhentos anos aquele barraco lá no oriente médio. Da onde que essa gente tira tanto ódio? Acontece, que o motorista do caminhão dormiu na direção, meio que subiu no cordão da calçada, o motora acordou, o caminhão deu uma forte chacoalhada, a cabeça caiu pra fora da lona, ainda deu tempo das rodas de trás do caminhão passarem por cima da cabeça que deu azar, quer dizer, azar duplo, porque além de ser uma cabeça morta, ainda caiu da carroceria do caminhão, bateu no muro e rolou pra perto do cordão da calçada bem há tempo de ser esfacelada pelas rodas traseiras do veículo. E o motorista ainda se recuperando do susto, sentiu mais um pequeno tranco nas rodas traseiras como se tivesse passado por um pequeno quebra-mola, ainda olhou pelo espelho mas não viu a porra da cabeça que rodopiou sobre si mesma espalhando um pouco de gosma e miolos e quase caiu no bueiro ao seu lado. Que viagem! Sem saber bem por que, sem saber o que se faz numa situação dessas porque eu nunca tinha visto uma cabeça na beira de um bueiro, porque eu nunca vi num filme um cara enfrentando uma situação semelhante, sem saber por que eu fiz exatamente aquilo, me afastei, olhei pra frente e eu já tava no estádio do Beira-Rio. Estádio lotado. Inter e Barcelona. Fomos pros pênalti. Era eu e o goleiro. Enxerguei os olhos dele. Olhei pro juiz e de novo nos olhos do goleiro. Nunca que ele ia saber pra onde eu ia chutar, eu já tinha escolhido o canto, corri pra cabeça, e emendei um chutão de peito de pé que pegou bonito, pegou em cheio e sem piedade, o goleiro se atirou inteiro, bonitaço, esticado pro lado direito, enquanto eu engavetava um golaço no canto esquerdo, à meia altura, mandando a cabeça cheia de baratas pro fundo das redes e marcando o gol que deu a vitória e o campeonato mundial para o Inter. 

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

MY BATHROOM

Aquarela sobre papel poroso. Não sei de que ano é. Bob

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

OS FRACASSOS PESAM NAS COSTAS


Mais uma das minhas incursões no mundo das Artes Plásticas. Do lado esquerdo um desenho feito com caneta numa folha de caderno, de 1993/94.
Abaixo uma pintura inspirada no desenho. Tinta acrílica sobre tela, de 2014.

sábado, 23 de dezembro de 2017

DOIS PEQUENOS POEMAS

AMOR E ÓDIO
Sempre que posso
Acabo comigo.
Mas mesmo assim
Sou meu melhor amigo.


COMPLICAÇÃO
Viver fica
Realmente complicado
Eu nunca reconheço
Que estou errado.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

DA SÉRIE PÁSSAROS DO BRASIL

pássaros do brasil, técnica mista, Bob, 2017
mais uma das minhas intromissões no campo das artes plásticas