domingo, 21 de setembro de 2008

MEMÓRIAS MEDÍOCRES 3 - O HÁBITO DE LER

Eu sempre gostei de ler. Uma de minhas maiores alegrias e uma lembrança que guardo fortemente até hoje, foi o dia, o momento, o ano, sei lá, o tempo em que aprendi a ler. Antes disso a vida era uma coisa e depois transformou-se num vasto mundo a ser explorado. Antes disso eu tinha que pedir a minha mãe que lesse para mim. Não me lembro do meu pai lendo pra mim. Lembro-me dele jogando futebol de botão comigo, mas lendo não. A minha mãe lia, mas, é claro, só quando ela queria, tinha saco ou sobrava tempo no meio ou depois das tarefas caseiras. Naquele tempo minha mãe era “do lar”. Então, recordo que foi uma felicidade extraordinária quando comecei a juntar aquele monte de letrinhas e formar palavras e fiquei livre para ler o que eu quisesse. E lia de tudo mesmo. Desde as revistinhas em quadrinhos infantis, gibis, contos de fada, a revista Manchete, Fatos & Fotos, Realidade e as fotonovelas da minha mãe. Era muito bom poder ler. Até hoje leio bastante. Não tanto quanto gostaria, mas bastante. A leitura sempre me enviou para um espaço mágico onde era possível que a minha imaginação se expandisse e se elevasse às alturas. A leitura estimulava meus sonhos e minhas ações pela vida. Ler sempre foi e é maravilhoso. Há pouco tempo atrás, com mais ou menos quarenta e cinco anos, comecei a sentir dificuldade para ler. Não havia luz que fosse suficiente para que meus olhos conseguissem ler. Ler tornou-se um esforço. A dificuldade roubava o prazer da leitura. Então, uma alma amiga, chamada Elisa, mais ou menos da minha idade e conhecedora do problema, um certo dia, me ofereceu um par de óculos comprados num camelô e salvou a minha vida. Pude voltar a ler na quantidade e com o prazer de sempre. Ler é maravilhoso. Meus filhos não lêem. Não porque eu não tenha tentado estimula-los, mas não gostam. Não adquiriram o gosto pela leitura. Acho que a escola destrói nos adolescentes o prazer de ler. Não há prazer que resista aquelas leituras obrigatórias e as fichas de leitura exigidas pelos professores. É uma merda. É empobrecedor.
Só pra constar: quem está na foto sou eu, aos 21 anos, mais precisamente em fevereiro de 1975, no patamar da casa da minha tia Glacy, em Ibirubá/RS. Seu marido, a quem eu chamava de tio Adalberto, tinha insônia, lia muito e possuía uma considerável biblioteca da qual eu me aproveitava quando os visitava.

sábado, 20 de setembro de 2008

MEMÓRIAS MEDÍOCRES 2 - COMIDA DE POBRE

Outro dia fui num restaurante que servia comida típica gaúcha e havia lá uma gororoba que era uma fritada de ovos mexidos com lingüiça campeira picada e tudo revirado com farinha de mandioca. Isso me remeteu imediatamente para a mesa da minha infância, lá na minha casa de madeira envelhecida pelo tempo no Jardim Botânico. A casa era tão desbotada que era chamada de “casa Lee”. Foi um túnel do tempo. Enquanto me servia fui regredindo. Minha mãe com um dos seus vestidos estampados de senhora casada, dona de casa, quase sempre com uma cara de madalena arrependida e um ar de juvenista mariana, na lida diária pela cozinha e eu brincando no pátio quase sempre sozinho ou algumas vezes com algum amiguinho e logo o grito da minha mãe, de várias mães, chamando para o almoço. Depois de cumprir as obrigações do tipo lavar as mãos, acordar meu pai que roncava feito um porco como sempre até a hora do almoço, e sentar à mesa. E lá estava a tal fritada de ovos com lingüiça e farinha de mandioca.
Nossa! Como eu gostava daquela comida. Daquela e de muitas outras coisas que minha mãe fazia naquela época. Mas o que mais me divertia mesmo era de brincar com a comida. Eu dividia a porção contida no prato em quatro partes. Ficava então quatro pequenos triângulos, separados por uma trilha em cruz. Feito isso estas quatro partes transformavam-se, às vezes, em quatro países em guerra (era quando os gomos de bergamota ou de laranja serviam de navios de guerra e cercavam o prato com seus canhões apontados para o país do arroz com feijão), às vezes, em quatro povos que primeiro se reuniam e logo a seguir eram engolidos por um enorme e guloso monstro que os triturava sem complacência. Enfim, naquele tempo eu que eu não tinha tanta pressa, comer era sempre muito divertido.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

MEMÓRIAS MEDÍOCRES 1 - FREIRA DO DEMÔNIO

Dia desses decidi que iria escrever uma hora por dia. Ou pelo menos uma hora por semana. Sessenta minutos inteiros escrevendo tudo aquilo que me viesse a cabeça. Decidi também, que pra não correr o risco de ficar com cara de idiota na frente da folha em branco da tela do Word, vou escrever qualquer merda. Qualquer merda qualquer. Escrever livremente, sem censura, mesmo se tratando de qualquer merda ou de uma merda qualquer.
Aí pintou a brilhante idéia de escrever sobre mim mesmo, coisa que ninguém, é obvio, jamais, pensou nem, mais óbvio ainda, fará. Posso escrever minhas memórias. As lembranças vadias de um sujeito absolutamente comum e medíocre com lembranças incrivelmente medíocres e comuns. Para dar um sabor especial, um condimento apimentado, poderia inventar alguns fatos, mentir um pouco, o quê não seria novidade para mim e, tampouco, eu seria o primeiro a fazer isso.
Então, está decidido: serão memórias verídicas e fantasiosas. Cheias de pequenas e grandes mentiras misturadas com fatos acontecidos e lances vividos pela minha inigualável pessoa. Será, assim, uma autobiografia sem compromisso nenhum com a verdade e entremeada de fantasias, desejos não realizados e mentiras que não serão jamais reconhecidas e separadas das verdades contidas no texto, principalmente porque ninguém se daria ao trabalho de fazer isso.
Não resisto ao desejo e caio no lugar comum de afirmar que se é para escrever sobre qualquer merda, nada melhor do que escrever sobre mim mesmo. E isso acontece por vários motivos. Em primeiro lugar, porque ninguém como me conhece como eu me conheço, e só eu conheço todas as merdas que já fiz na minha vida. Depois, somente eu posso misturar as merdas verdades das mentiras merdas que irei inventar ao longo do texto. E, finalmente, porque inúmeras vezes eu realmente me acho um merda.
Ainda não fechou uma hora então vou continuar escrevendo.
Queria lembrar que estou escrevendo algumas outras trinta e sete coisas que são fragmentos, pedaços inícios de alguma coisa ou de nada, coisas de teatro, livros parados pela metade ou muito antes, porcarias em geral que geralmente começo e não termino, ou melhor, começo e nem começo. Só digo para lembrar que posso aproveitar esta uma hora também para escrever um pouco nestas outras coisas e não somente aqui neste meu blog.
Às vezes este espaço poderá funcionar também como um diário onde anotarei preciosos acontecimentos de meu agitado cotidiano.
Agora chega de papo e vamos as memórias. Aquele que, porventura, transformar-se em leitor acidental destas páginas, não deve ficar procurando o que é verdade e o que pode ser mentira. Leia e aceite os fatos como acontecidos porque você nunca poderá separar uma coisa da outra. Ou, se quiser detenha-se, procure, afinal de contas a verdade e a mentira são sempre o verso e reverso da mesma moeda, ou como dizia Mário Quintana: “a mentira é uma verdade que esqueceu-se de acontecer”. Buenas, vamos lá.
A foto que aparece lá em cima é da minha turma do quarto ano primário - quarta série do ensino fundamental - no Colégio Anchieta que naquela época tinha freiras e padres dando aula. Agora eu fico imaginando coisas feias aqui na minha cabeça. A freira que aparece na foto é a Irmã Maria da Graça. Acho que todas as freiras se chamam Maria alguma coisa. Pois esta santa pessoa, insígne professora, tinha o sádico hábito de torcer o mamilo dos alunos quando estes faziam alguma coisa que a desagradava. Como por exemplo, descer escadas saltando de três em três degraus, comer alguma coisa durante a aula, ou qualquer coisa que fosse coisa de crianças de nove ou dez anos que era a nossa idade na foto.