quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

PEQUENOS RECORTES DA VIDA URBANA PARA LER NO BANHEIRO.

Eu tô sempre lendo pelo menos dois livros. Um que é o que eu ando com ele. E outro que fica no banheiro. Esse último tem que ser um livro específico pra ler no banheiro. De preferência um livro de contos. Ou poesias. Pensando nisso estou escrevendo aquilo que algum dia será um livro de contos pra ler no banheiro. Contos com o tamanho exato de uma boa cagada. Com o perdão da palavra. Hoje vou postar um deles.

1.

Eu vi uma barata saindo do bueiro. Eu vi um monte de baratas saindo de um bueiro. Não. Eu sonhei com baratas saindo do bueiro. Eram muitas baratas saindo do bueiro. O que eu vi mesmo foi a cabeça. Uma cabeça ao lado do bueiro. Cara, eu vi uma cabeça. Parecia que a cabeça tinha sido... Eu não acreditava. Olhava pra cabeça e pensava que não podia ser uma cabeça aquele volume escuro atirado ao lado do bueiro. Mas era uma cabeça. De homem. Toda ensangüentada. E parecia que tinha mesmo sido arrancada. Arrancada, cara. A cabeça foi arrancada e atirada perto do bueiro. Quem atirou deve ter pensado que a cabeça iria rolar pra dentro do bueiro, mas ela parou ao lado do bueiro. E eu ia só atravessando a rua. Tinha acabado de comer um xis. Tava voltando pra casa. Pra quê que eu tenho que ver uma cabeça? Quase vomitei em cima da cabeça. Vomitei nas baratas. Mas isso foi no sonho. Na real, não tinha baratas. Tinha um olho meio que saindo pra fora da cabeça. Eu ti um acesso de curiosidade mórbida e quanto mais não queria olhar aquele troço mais olhava e procurava detalhes, procurava reunir os pedaços de cérebro espalhados. De dentro do ouvido saia uma gosma branco-esverdeada que eu não soube definir o que era. Impossível saber a idade da cabeça. Era homem por causa do cabelo com corte de cabelo de homem mas também poderia ser uma sapata. A cabeça de uma sapata foi arrancada por um cara que perdeu a mulher pra sapata. O cara jogou a cabeça de dentro do carro pra ela cair dentro do bueiro e a maldita cabeça da maldita sapata parou na beira do bueiro. E não caiu. E quando ele (o cara) estava dando uma ré pra empurrar a cabeça da sapata pra dentro do bueiro, percebeu que vinha gente, que era eu e caiu fora. E eu encontrei a cabeça. Mas era tudo viagem. Não tinha carro nenhum na rua. Só eu e a cabeça e era uma cabeça de homem. Ta... não sei porque eu acho que é de homem, mas eu olho e SEI que é uma cabeça de homem. Amassada, ensangüentada, completamente avariada, esmagada na frente, partida atrás, uma massa disforme de cores variadas, uma cabeça de homem. Faço o quê? Chamo os homê? Chamo os bombeiros? A SAMU não adianta mais. Procuro o corpo pelas redondezas. Só com os olhos porque eu é que não ia sair dando uma banda e procurando o corpo naquelas bocadas tão mau iluminadas. Não via nada. Nada parecido com um corpo num raio de duzentos, trezentos metros. Então era só uma cabeça sem corpo. Pensei no Frankenstein e viajei que podia ser uma cabeça que alguém estava trazendo do cemitério. Podia ser um carregamento de cabeças dentro de um caminhão. Todas essas cabeças seriam usadas para criar um batalhão de frankesntein que seriam treinados pelos americanos para destruírem o irã e o iraque e todos os palestinos, judeus, libaneses, e todo aquele povo que arma há quinhentos anos aquele barraco lá no oriente médio. Da onde que essa gente tira tanto ódio? Acontece, que o motorista do caminhão dormiu na direção, meio que subiu no cordão da calçada, o motora acordou, o caminhão deu uma forte chacoalhada, a cabeça caiu pra fora da lona, ainda deu tempo das rodas de trás do caminhão passarem por cima da cabeça que deu azar, quer dizer, azar duplo, porque além de ser uma cabeça morta, ainda caiu da carroceria do caminhão, bateu no muro e rolou pra perto do cordão da calçada bem há tempo de ser esfacelada pelas rodas traseiras do veículo. E o motorista ainda se recuperando do susto, sentiu mais um pequeno tranco nas rodas traseiras como se tivesse passado por um pequeno quebra-mola, ainda olhou pelo espelho mas não viu a porra da cabeça que rodopiou sobre si mesma espalhando um pouco de gosma e miolos e quase caiu no bueiro ao seu lado. Que viagem! Sem saber bem por que, sem saber o que se faz numa situação dessas porque eu nunca tinha visto uma cabeça na beira de um bueiro, porque eu nunca vi num filme um cara enfrentando uma situação semelhante, sem saber por que eu fiz exatamente aquilo, me afastei, olhei pra frente e eu já tava no estádio do Beira-Rio. Estádio lotado. Inter e Barcelona. Fomos pros pênalti. Era eu e o goleiro. Enxerguei os olhos dele. Olhei pro juiz e de novo nos olhos do goleiro. Nunca que ele ia saber pra onde eu ia chutar, eu já tinha escolhido o canto, corri pra cabeça, e emendei um chutão de peito de pé que pegou bonito, pegou em cheio e sem piedade, o goleiro se atirou inteiro, bonitaço, esticado pro lado direito, enquanto eu engavetava um golaço no canto esquerdo, à meia altura, mandando a cabeça cheia de baratas pro fundo das redes e marcando o gol que deu a vitória e o campeonato mundial para o Inter. 

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