quarta-feira, 28 de julho de 2021

MEMÓRIA 04 – O BARÃO NAS ÁRVORES DA REDENÇÃO

 


Considero a montagem de O Barão nas Árvores da Redenção uma aventura teatral. E acho que eu posso dizer que todos, todas e todes que participaram da montagem consideram aquela encenação como um marco nas suas vidas e nas suas carreiras. Todos celebram o acontecimento inédito e ousado que tiveram a sorte de participar.
Lamentavelmente, por causa da crônica falta de visão dos nossos administradores da Cultura e do Turismo, o espetáculo foi apresentado somente em oito sessões. Desculpem a acidez, mas são uns tapados. Amarram Porto Alegre no atraso. Apostam em manter a da cidade como a província que não é mais.
O ano era 1997. Eu e minha grande amiga Patrícia Fagundes, atualmente, uma conceituada e importante diretora, estávamos passando pela experiência de trabalhar juntos na encenação de três textos clássicos de Plínio Marcos no Teatro de Arena. Conversei com ela sobre a ideia de montar o texto de Ítalo Calvino sobre as árvores da Redenção. Ela aceitou na hora. As peças ainda estavam se apresentando no Arena quando abriu um novo edital do Fumproarte. Eu e a Patrícia, escrevemos um projeto a quatro mãos (mais as delas do que as minhas) e submetemos ao Fumproarte a proposta de financiamento para o Projeto Barão nas Árvores.
No primeiro edital que concorreu foi recusado: falta de foco. Além da peça estávamos propondo uma mostra fotográfica do Parque da Redenção e um debate sobre a situação dos parques públicos. No segundo semestre (sim, naquela época o Fumproarte tinha dois concursos por ano) reapresentamos o projeto. Agora era somente a produção de uma peça que aconteceria no Recanto Europeu da Parque da Redenção.
Dois ou três anos antes eu havia lido e ficado maravilhado com a magnífica obra de Ítalo Calvino, que conta a história de Cosme, um menino que aos nove anos enfrenta frontalmente seu pai recusando-se a comer os escargots preparados por sua irmã. Pai e filho têm uma discussão na mesa, durante o almoço familiar. No auge do embate o menino levanta-se da mesa, corre até o jardim, sobe em uma árvore e afirma que nunca mais vai descer. E nunca mais desce.
Pra mim O Barão nas Árvores parecia uma metáfora sobre o fazer teatral. Uma metáfora sobre a obsessão de fazer teatro. De defender uma ideia às últimas consequências. A obstinação do artista. Fiquei fascinado tanto pelo livro quanto pelas possibilidades cênicas que ele apresentava. Eu e a Patrícia combinamos que íamos fazer a adaptação do texto juntos, que eu seria o diretor da peça e ela seria assistente de direção e chefe de produção.
O Barão nas Árvores da Redenção foi a primeira peça que eu fiz num espaço não convencional. Fora de um teatro. Essa ideia estava em voga naquela época. Experiências de teatro em ônibus, teatro no Palácio do Catete, teatro num hospital, etc. O Teatro da Vertigem fez um espetáculo dentro de uma igreja em São Paulo. No Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo aconteceram experiências assim.
Então pensei: é claro que aqui em Porto Alegre as autoridades aceitariam a ideia.
Só que não.
Não foi nada fácil de conseguir autorização para fazer a peça no Parque da Redenção. Foi um verdadeiro embate contra a bur(r)ocracia da Prefeitura de Porto Alegre. O pessoal da arquitetura da SMAM e a Associação dos Amigos do Parque fizeram o possível para impedir que o espetáculo ocupasse o Recanto Europeu. Fomos de reunião em reunião, de gabinete em gabinete. Contávamos com o apoio concreto do diretor do Parque. Era o nosso trunfo. Chegamos no gabinete do Prefeito.
Convencemos a todos do óbvio: era culturalmente importante que o Recanto fosse liberado para os ensaios e apresentações da peça. Era de extrema importância incentivar a experiência de colocar um espetáculo inédito num espaço alternativo. Falamos sobre as experiências que vinham sendo feitas em outras capitais. Era politicamente democrático que a arte ocupasse os parque e praças e outros espaços públicos da cidade.
Para interpretar Cosme, o protagonista da história de Calvino, convidei o ator Fernando Kike Barbosa. Tínhamos recentemente trabalhado juntos em Dois Perdidos Numa Noite Suja. Já naquela época, Kike era um ator experiente, versátil e muito talentoso. Oriundo da Terreira da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveis.
Para viver o papel do autoritário Barão, pai de Cosme, convidei a preciosa Arlete Cunha, atriz que já naquela época era premiadíssima e qualificadíssima, também saída do Ói Nóis. O restante da família do Barão foi composto com Giselle Cecchinni, maravilhosa atriz recém chegada de São Paulo, no papel da Baronesa chamada de Generala; Biño Sawitzki, jovem ator, atualmente radicado em Paris, cheio de gana e vitalidade, seria o gentil e educado irmão Biágio quando jovem.
O mesmo papel de Biágio na velhice era desempenhado pelo grande ator Sérgio Etchichury (mais um saído do Ói Nóis); e Sandra Possani, excelente atriz e generosa colaboradora (mais uma do Ói Nóis), fez a desagradável irmã Batista. A extraordinária atriz Liane Venturella, aprendeu a andar à cavalo para viver a avançada Viola, a namorada de Cosme. E Tiago Real seria o Conde D'Estomac, incauto pretendente à mão de Batista.
Como se vê um elenco de peso. Esse grupo que formava a família do Barão era secundado por Álvaro Rosacosta, Fernando Pecoits, Laura Backes, Renato Santa Catharina, Vika Schabbach, Vinicius Petry, Giancarlo Carlomagno e Raquel Nicoletti, atriz que atualmente reside em Portugal.
Além destes 16 artistas havia o Elenco Um e Noventa e Nove que era composto por atores iniciantes que aceitaram participar do trabalho simplesmente em troca da experiência de atuar. Foram assim chamados porque ficou acertado que receberiam a vultosa quantia de R$ 1,99 como cachê dos ensaios e das apresentações. Era uma brincadeira carinhosa que surgiu no elenco e era muito bem aceita por todos eles. Pelo menos é que eu acho. Na real, todo mundo que participou recebeu um cachê indigno.
O Elenco Um e Noventa e Nove era formado por André Mubarack, Carla Castro, Fernando Xavier (que acabou não estreando), Janaina Pelizzon, Kailton Vergára, Larissa Maciel, Messias Gonzalez, Nádia Mancuso, Sabrina Lermen, Tuta Camargo e Miriã Possani, que tinha uns 9 ou 10 anos na época. Onze atores e atrizes, quase todos em início de carreira, em sua maioria alunos do DAD.
Assim, que eram 16 atores, 11 atores convidados, 2 cavalos da BM, 3 músicos e 2 técnicos. Os músicos reclamavam que eram colocados depois dos cavalos. Os técnicos reclamavam que eram sempre colocados por último. A peça durou somente oito apresentações. E eu teria ainda muitas histórias pra contar sobre a nossa grande aventura na Redenção. Sobre a Banda Municipal, sobre a trilha sonora da peça composta por Cristiano Hanssen, sobre a Arlete Cunha e o seu cavalo, sobre a praça de alimentação. Talvez, em algum momento, destas memórias eu volte ao assunto.

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