quarta-feira, 28 de julho de 2021

MEMÓRIA 02 – BAGASEXTA


A segunda colocada no ranking dos comentários foi a Bagasexta festa-onírica-performática-teatral-dançante que estreou no Depósito de Teatro da Benjamin Constant em novembro de 2002.Tudo começou pelo menos uns dez anos antes quando eu fui para o Rio de Janeiro com o espetáculo “Decameron”, produção da Cia. Teatro di Stravaganza, com direção de Luiz Henrique Palese. Era 1993 ou 94. Numa noite de folga fui assistir um espetáculo que fazia um enorme sucesso num pequeno teatro carioca.

O espetáculo se chamava Teatro de Terror, foi criado e era protagonizado pela atriz Vic Militello (1943-2017) que abria a noite dizendo assim: “Boa noite. Inacreditável que vocês tenham vindo. Nós avisamos… Mas mesmo assim vocês vieram nos assistir. Bem-vindos ao pior espetáculo em cartaz na cidade. O crítico veio e escreveu que é tão ruim, que é quase bom. Ficamos preocupados, precisamos piorar. Aqui, o público é sempre o mesmo, o espetáculo é que muda a cada semana.”
Era um sucesso “cult” absoluto que já havia se apresentado em São Paulo e que estava em cartaz no Rio. Acontecia nas sextas sempre à meia-noite. Tudo era ensaiado apenas uma vez, pois como afirmava Vic: “Não queremos correr o risco de ficar bom”. O elenco se encontrava na sexta mesmo e mais combinava as cenas do que, propriamente, as ensaiava. E na hora a plateia delirava com cenas de puro “terrir”. Tinha, por exemplo, o Homem-Bomba, a Mulher-Cobra, o Zé do Caixão (o próprio e “covers”). Na noite que assisti tinha a participação da Malu Mader como uma virgem que seria sacrificada na peça de terror apresentada no final da noite.
Voltei do Rio de Janeiro com a certeza de que deveríamos fazer algo semelhante em Porto Alegre. Cada vez que eu tinha oportunidade falava para as pessoas. Convidava colegas pra fazer algo igual aqui. Eu tinha certeza de que seria um sucesso. Ninguém dava bola. Achavam “ai, lá vem o Roberto de novo com suas ideias”. Não aconteceu mas, a ideia nunca saiu da minha cabeça.
Anos depois, em São Paulo, novamente apresentando uma peça, eu fui ver a Quinta Insana que depois virou a famosa Terça Insana. Acontecia num bar. Gente bebendo, gente conversando, dava um sinal, tudo mundo ficava quieto para assistir uma cena cômica, um quadro de humor. Muitas risadas e diversão.
Voltei pra Porto Alegre. Era final do ano 2000. Cheguei com mais certeza ainda de que tínhamos que fazer alguma coisa naquele estilo. Algo igual porém diferente. Ou diferente porém igual. Insisti. Levei o assunto pra reunião de pauta do Depósito de Teatro. Argumentei muito sobre a ideia. Todos toparam. Anotamos mil ideias. E não fizemos nada. A desculpa era que a gente não tinha recursos pra produzir e então tinha que fazer um projeto e ir atrás de patrocínio.
Em 2002 a atriz Carla Costa puxou o assunto de novo. Ela disse que se a gente ficasse esperando as condições ideais pra fazer o espetáculo a gente corria o risco de não fazer nunca e que ela achava que a gente tinha que fazer de qualquer maneira e não ficar inventando motivos furados pra ir adiando o projeto que era uma ótima ideia que a gente estava deixando de lado.
Comoveu todo mundo. Começamos de verdade a trabalhar no show. Reunimos as ideias. Criamos o formato. Fizemos um brain storm para inventar um nome. E o ator Heinz Limaverde foi quem deu o nome de batismo. Cada um se responsabilizou por uma tarefa da produção e em novembro de 2002 nascia a Bagasexta Drinks.
Me lembro que na noite de estreia estávamos todos roendo as unhas, preocupados se haveria público. Estava marcado para começar às 22 horas. Quinze pras 10 e não tinha ninguém. Cinco pras dez chegou um casal. Às 22h00 tinha umas 10 pessoas. Cheiro de fracasso. A gente se olhava meio constrangidos e decidimos esperar mais um pouco pra apresentar o primeiro número da noite.
E aí começou a chegar gente. Gente que não parava mais. Lotaram completamente as dependências do Depósito de Teatro. Ficaram encantados com os quadros, beberam muito, dançaram muito, riram muito. O slogan da Bagasexta que era “diversão garantida ou seu dinheiro perdido” se fez valer. A gente se olhava e ria. Eu via se realizando na minha frente uma ideia de mais dez anos.
A Bagasexta Drinks virou só Bagasexta. Se transformou numa festa temática. Era pra ser semanal e a cada semana tinha um tema. O volume de trabalho era intenso e haviam outras coisas pra fazer no Depósito de Teatro. Então a Bagasexta passou a ser quinzenal. Era frequentada por tribos diferentes embora todas estivessem buscando se divertir. Os quadros foram ficando cada vez mais insanos e nós cada vez mais ousados nas propostas. E o público vindo junto. Participando coletiva e ativamente. Enchendo o Depósito pra loucura dos vizinhos.
Falei muito em “nós”. Nós éramos eu, as três atrizes Sandra Possani, Maria Falkembach e Carla Costa e os três atores Hein Limaverde, Marcelo Aquino e Júlio Andrade, o Julinho. Com tempo foram se juntando a nós o Mirco Zanini na iluminação, a Miriã Possani e o Duda Cardoso na produção geral, o Eugênio Moreira no caixa, o Chico Perereca no bar. O Dimitri Lucho na câmera e na produção dos vídeos. E, botando o povo inteiro pra dançar, no comando da festa, estava o DJ Skelter, Marcelo Schneider, que a gente chamava de “o pior dj do planeta”. Certamente estou esquecendo alguém que vai ficar chateado.
A última edição da Bagasexta foi em 2011, durante a comemoração dos 15 anos do Depósito de Teatro: a Bagasexta Debutantes. Aconteceu no Centro Cenotécnico e foi muito difícil reunir todo elenco, já que a Maria estava morando em Pelotas, o Julinho estava em São Paulo, o Marcelo Aquino no Rio de Janeiro e a Sandra em Recife. Aliás, este foi um dos motivos pelo qual a Bagasexta acabou deixando o público com uma sensação de orfandade. Mas só eu e o Heinz continuávamos em Porto Alegre.
Eu teria ainda muita coisa pra escrever sobre a Bagasexta. Poderia falar sobre temas e/ou quadros memoráveis, sobre o projeto de ficar famoso em Porto Alegre, sobre como passar o verão em Porto Alegre, sobre os filmes que fizemos. Cada vez que o Jorge Furtado lançava um filme a gente fazia a nossa versão. Poderia escrever sobre o Festival de Cinema Gramado Sintético que fizemos na Sala P.F.Gastal, sobre a vez que decidimos descer o riacho Ipiranga de barco até o Guaíba, ou sobre a participação da Bagasexta no Planeta Atlântida. Mas, vou deixar espaço para que vocês me contem suas memórias sobre a Bagasexta Será uma forma de vocês completarem as minhas próprias lembranças, pois como diria o Roberto Carlos: “são muitas emoções”.
Às vezes penso: hum, talvez um dia... quem sabe quando passar a pandemia...hum... não seria mal ideia... hum?

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