quarta-feira, 1 de outubro de 2008

MEMÓRIAS MEDÍOCRES 4 - O CASAMENTO

Nunca pensei em começar estas memórias pela infância ou em obedecer a ordem cronológica dos acontecimentos (ou falta de), mas quando vejo a primeira coisa que contei foi sobre minha infância. Poderia ter começado pelo menos pela adolescência, ou pelo dia que fiz minha primeira peça de teatro, ou pelo dia do meu casamento. É verdade: eu casei. No civil e no religioso. Eu era todo metido a contra-cultura e coisa e tal, mas na hora agá a família nem precisou apertar muito pra eu aceitar o casamento. Até que foi bacana. A gente falava que ia se casar para contentar a família, mas isso era mentira. A gente casou porque foi criado desde sempre com uma moral babaca, cristã, que incluía o casamento como uma regra de vida, uma meta a ser cumprida. Casei na igreja Santo Antônio, no topo do morro do Partenon. Um casamento bem bonito, com uma noiva bem bonita e com muitos convidados bonitos. Meu pai, afetado por uma doença cruel e degenerativa compareceu e chorou. Ele chorava muito nessa época. Uma hora dessas vou dedicar uma destas horas pra escrever sobre meu pai. Depois da cerimônia na igreja Santo Antônio houve uma grande pequena festa na casa dos pais da noiva, na qual o pai da noiva, alcoólatra inveterado, encheu a cara de cerveja e, como era de costume, deu vexame total diante dos convidados constrangidos e falsamente compreensivos. Um desfecho desagradável para uma festa íntima que despachava o casal sorridente e apaixonado para uma vida em comum, que poucas chances tinham de dar certo, já que quem casa quer casa e este casal não tinha nem emprego que dirá uma casa para morar. Fomos morar na casa da minha mãe que era também chamada de minha casa.
Hoje, com a distância do tempo passado e um pouco mais maduro, penso porque o pai da noiva que era tão rígido na sua moral permitiu aquele casamento apenas baseado amor entre dois jovens absolutamente imaturos e completamente sem estrutura para casarem-se? Porque ele era um hipócrita, filho duma puta, que estava mais a fim de livrar-se da enteada. Na época, eu era estudante universitário, tinha vinte e um anos, era cheio de idéias sobre o futuro e tinha uma miserável bolsa de trabalho concedida pela universidade. Ela tinha vinte anos, era linda, estudante desempregada e sonhava em tornar-se modelo. Casamos.
Casei em outubro e meu pai morreu em dezembro sem ver a sua neta que nasceria em setembro do ano seguinte e foi concebida mais ou menos no mesmo período. Ciclo da vida? Enquanto ele fechava as contas e partia para a morada final, eu e minha jovem esposa (a quem eu amava perdidamente) nos dedicávamos a reproduzir e trazer à vida mais um ser.
Na foto, lá em cima, sou eu, no Motel Ipanema, em setembro de 1975, em plena lua de mel.

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