quinta-feira, 11 de junho de 2009

MEMÓRIAS MEDÍOCRES 7 - A MORTE


Hoje vou escrever sobre uma das minhas primeiras mortes. É assim que chamo cada uma das vezes em que não morri por muito pouco. Como dizem, só não morri porque não era minha hora. Por duas vezes quase morri afogado. Outra vez bati a cabeça num poste e caí embaixo de um bonde. Mas a mais perigosa e mais próxima da morte que eu me lembro foi quando quase me matei enforcado numa corrente pendurada na carroceria de um caminhão.
Eu morava na Rua Surupá - palavra indígena que significa "ave sem rabo". Não me perguntem porque virou nome de rua, nem se Surupá foi o nome de alguém, de algum chefe indígena. Mas, era exatamente isso que sempre li (e me perguntei) na placa colocada na esquina. Na frente da minha casa, do outro lado ra rua, morava um senhor, cuja profissão era dirigir um caminhão que fazia entrega de leite para armazéns, mercados, bares e restaurantes. Trabalhavam neste tipo de caminhão, três pessoas: o motorista e dois ajudantes, que eram os que faziam o trabalho braçal de carregar o caminhão, descarregar a mercadoria para os clientes e colocar no caminhão os engradados de metal que continham as garrafa de leite. Sim, o leite era vendido em belíssimas garrafas de vidro. Na parte traseira da carroceria destes caminhões, haviam, de cada lado, uma corrente, mais ou menos comprida, para auxiliar os ajudantes a subir e descer do caminhão. O sujeito agarrava com as mãos na parte inferior da corrente, que era fechada em si mesma, formando uma argola, uma espécie de forca.
Certo dia, no entardecer... acho que era verão, porque eu estava com pouca roupa. Devia ser mais ou menos 19h30, eu ja havia jantado e saído pra rua pra esperar que os amigos também jantassem aparecessem na rua como sempre acontecia. O caminhão estava estacionado na frente da casa do seu proprietário, que com certeza estava em casa jantando. O trabalho dele começaria somente lá pelas dez horas da noite. Tudo meio escuro. O caminhão ali sozinho. Atravessei a rua. Sentei na boléias do caminhão. Dei a volta até chegar na traseira. Subi na correceria e fiquei brincando de entregador de leite. Subi e desci várias vezes me pendurando com dificuldade numa das correntes. No meio da brincadeira tive a brilhante idéia de enfiar a corrente no pescoço. fiz várias palhaçadas com a corrente no pescoço. Olhei lá para baixo, para o calçamento de paralelepípedo, achei, com certeza, que o comprimento da corrente era suficiente para que meus pés tocassem no chão e pulei. Os pés não alcançaram no chão. Momentos de desespero total. Sufocamento. Não dava pra gritar, pra pedir socorro. Desespero. Esperneando.
Como não morri, não sei quanto tempo faltava para que eu morresse. Não sei estimar com certeza quantos segundos fiquei pendurado. Vinte? Quinze? Mais tempo? Num determinado momento, certamente enviado pelo meu anjo da guarda, saiu de casa um amigo. Guilherme. Nunca mais esqueci o nome dele. Nunca mais o vi depois que ele mudou-se da Surupá. Vinha comendo um pedaço de pão. Falou comigo. Perguntou o que eu estava fazendo. Viu que eu não coseguia falar e caiu-lhe a ficha que devia me ajudar imediatamente. Tentou me suspender com as mãos. Não conseguiu. Eu era maior do que ele é mais pesado. Então, o Guilherme atinou de enfiar os ombros embaixo dos meus pés e me erguer o quanto desce. Deu certo. Assim que ele me ergueu um pouco, eu mesmo arranquei a corrente do meu pescoço e corri pra casa sem poder gritar pela minha mãe, sem poder chorar. As lágrimas rolavam sem parar, mas não tinha som. No meu pescoço ficaram durante algumas semanas - ou será que foram dias? - as marcas dos grilhões da corrente.
No dia seguinte eu e o Guilherme tivemos uma séria discussão que acabou em briga. A gente se pegou no pau e como eu era maior, eu bati nele. Quebrei a cara do meu salvador no dia seguinte. Meu pai ficou sabendo e me deu uma surra pra eu aprender que não devia bater em alguém que salvara miha vida. Minha mãe levou um presente pro Guilherme e agradeceu e ele e a toda família dele pelo salvamento.

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